Você nem sempre os vê. Mas eles – os fungos – são fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas. Muito se sabe sobre a diversidade de plantas e animais ao redor do mundo. O mesmo, porém, não pode ser dito acerca dos incontáveis seres do reino Fungi.
Agora uma equipe liderada pelo biólogo Leho Tedersoo, da Universidade de Tartu, na Estônia, acaba de publicar na Science o mais completo levantamento já realizado sobre a diversidade de fungos presentes no solo em nível global.
Foram coletadas amostras de solo em ecossistemas naturais distribuídos em todos os continentes – exceto na Antártica. Após análises genéticas e um rebuscado trabalho estatístico, os pesquisadores conseguiram definir os principais fatores biogeográficos que condicionam os padrões de distribuição das espécies do reino Fungi ao redor do mundo.
Cientistas sempre imaginaram que a distribuição espacial da diversidade dos fungos dependesse da distribuição das plantas. Mas parece não ser esse o caso – e tal ideia, que era aceita sem grandes ressalvas pela comunidade científica, parece estar agora sob revisão.
“Na escala planetária, a precipitação média anual é o fator mais importante a condicionar a biodiversidade de fungos”, escrevem os autores. “Propriedades do solo, notadamente o pH e a concentração de cálcio, também exercem importante efeito positivo.”
Os fungos estão em todos os ecossistemas terrestres, mas a distribuição de espécies, filos e grupos funcionais tem sido muito pouco documentada. “Esse trabalho, portanto, representa uma contribuição inédita para a compreensão da diversidade de fungos de solo no mundo todo”, comenta o biólogo Ricardo Braga-Neto, do Departamento de Micologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Segundo Braga-Neto, que não está vinculado ao estudo, essa é a maior compilação de dados sobre o assunto já realizada até então.
Nova micologia
“Nos últimos anos, o surgimento e avanço das técnicas de sequenciamento molecular aumentaram muito a capacidade dos cientistas para gerar sequências genéticas que podem ser usadas na identificação dos fungos”, destaca Braga-Neto. “É um grande passo para a micologia.”
Explica-se: por muito tempo, a identificação de fungos dependia quase exclusivamente da coleta de cogumelos nas expedições de campo empreendidas pelos pesquisadores (lembrando: o cogumelo é a parte reprodutiva do fungo; enquanto o micélio é sua parte vegetativa, que pode ser visível ou não). Mas os cogumelos nem sempre eram encontrados nos levantamentos. Além disso, há muitas espécies de fungo que não produzem essa estrutura.
“Essa limitação influencia muito a capacidade de determinar a ocorrência de espécies em um local em um dado momento; e, portanto, influencia a capacidade de determinar o número total de espécies que ocorrem em uma área”, explica Braga-Neto. Isso significa que os levantamentos tradicionais baseados nos cogumelos poderiam ser bastante imprecisos.
Mas as tecnologias de análise e sequenciamento genético tornaram possível analisar em detalhe as amostras ambientais – como amostras de solo, nesse caso. Agora é possível averiguar se, em um pequeno pedaço de chão, existe certo tipo de fungo a partir da presença de seu micélio, que pode estar até invisível a olho nu. Logo, a identificação das espécies tem se tornado cada vez mais acurada.
Fungos tropicais
Os levantamentos caminham a todo vapor. “Mas a carência de informações sobre diversidade de fungos em países tropicais ainda é muito grande”, lembra o biólogo da UFPE. “Isso dificulta elaborarmos uma estimativa mais abrangente sobre a diversidade de fungos no planeta”, ressalva.
Ele dá um exemplo: na Amazônia brasileira, durante o final da década de 1970 e início dos anos 1980, o micólogo Rolf Singer coletou muitos fungos de solo. “Mas esses dados não foram incluídos no estudo [de Tedersoo] porque não existem sequências genéticas publicadas dessas espécies.” Parte do material já está degradada e o resto ainda não foi sequenciado.
A boa notícia é que novos avanços já estão na agenda: “Nos próximos anos, será desenvolvido na Amazônia um grande projeto com o objetivo de coletar fungos em larga escala”, adianta Braga-Neto. Ele afirma que, futuramente, será possível integrar esses novos dados às análises feitas no artigo – ampliando assim a abrangência das conclusões.
A importância dos fungos
São complexas as funções ecológicas do reino Fungi. Esses organismos desempenham funções em muitas etapas da cadeia alimentar e podem atuar nos ecossistemas terrestres como simbiontes (em uma relação mutuamente vantajosa com outro ser) ou parasitas, por exemplo.
Os fungos têm ainda importante papel na formação da matéria orgânica dos solos. Assim como as bactérias, eles atuam como seres decompositores na natureza: reciclam resíduos principalmente de plantas, absorvendo parte dos nutrientes e mantendo o equilíbrio da dinâmica natural dos locais onde ocorrem. A decomposição promovida por eles libera dióxido de carbono na atmosfera; e reintegra ao solo compostos nitrogenados, que serão absorvidos por plantas e, eventualmente, animais.
Muito, porém, ainda é desconhecido sobre esses misteriosos seres. O artigo de Tedersoo ressalta o quanto ainda temos a aprender sobre os fungos e sobre o papel desempenhado por esses organismos nos diferentes ecossistemas. Mais de 100 mil espécies já foram descritas. Mas acredita-se que existam muitos milhões de outras.
Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line