Mapa dos sabores

São bem conhecidas as regiões da língua sensíveis a cada um dos cinco sabores básicos: doce, salgado, azedo, amargo e umami (associado à sensação de paladar realçado, como a gerada por temperos à base de glutamato). Já as áreas do cérebro responsáveis por decodificar esses gostos eram um mistério até hoje. Um estudo publicado esta semana na Science conseguiu estabelecer um mapa cerebral dos sabores ao identificar os neurônios ativados durante a estimulação gustativa de camundongos.

Nos últimos 50 anos, vários mapas cerebrais foram produzidos para os sentidos, exceto para o paladar. Agora pesquisadores de três instituições dos Estados Unidos conseguiram o feito ao usar uma técnica de imagem avançada que lhes permitiu visualizar a atividade neural do córtex gustativo, região responsável por processar os gostos.

Os cientistas injetaram cálcio no cérebro dos camundongos e monitoraram a substância com um microscópio fluorescente que usa raios infravermelhos para gerar uma imagem detalhada dos neurônios. O cálcio funciona como um marcador da ativação dos neurônios: quanto maior a sua concentração em uma região, maior a atividade neural.

Cada sabor básico, com exceção do azedo, ativou uma região espacial específica do córtex gustativo

Ao aplicar, na língua dos animais sedados, substâncias com as características de cada um dos sabores, os pesquisadores verificaram que cada sabor básico, com exceção do azedo, ativou uma região espacial específica do córtex gustativo, e não vários neurônios espalhados, como já havia sido cogitado.

“É incrível encontrar um ‘mapa’ tão definido para os sabores”, afirma um dos autores da pesquisa, Charles S. Zuker, da Universidade de Columbia (EUA). “Se eu tivesse que desenhá-lo, não faria melhor; sem dúvida a sua estrutura é o modo mais simples e bem arranjado de colocar as coisas.”

Zucker acredita que não foi possível encontrar o ponto cerebral correspondente ao azedo porque esse sabor deve ficar localizado em outra região que não o córtex gustativo.

Como próxima etapa do estudo, os pesquisadores pretendem analisar as regiões neurais localizadas entre as áreas correspondentes a cada sabor. Eles sugerem que essas zonas podem ser responsáveis por outros processos sensoriais ligados ao paladar, como a mistura de sabores ou a sua integração com outros sentidos, como o olfato e o tato – já reconhecidos como importantes no processamento dos gostos.

Gosto, uma questão de evolução

Segundo os pesquisadores, a descoberta de um mapa gustativo no cérebro pode dizer muito sobre a evolução e a origem dos hábitos alimentares humanos. Zucker diz que a separação dos sabores no cérebro pode explicar por que nós, e os mamíferos em geral, temos maior atração por alimentos doces e umami do que por alimentos azedos, amargos e salgados.

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A pesquisa pode ajudar a compreender a preferência dos mamíferos pelos sabores doce e umami. (foto: Mayra Chiachia/ Flickr– CC BY-SA 2.0)

“Não há razão a priori para que os diferentes sabores se organizem separadamente no córtex insular”, afirma o pesquisador. “Em princípio, os neurônios decodificadores de cada sabor poderiam ser simplesmente intercalados e não arranjados em pontos diferentes. Nós especulamos que esse mapa surgiu porque o senso de gosto dos mamíferos provavelmente se desenvolveu de um sistema rudimentar que separava os sabores ‘bons’ dos ‘ruins’.”

Os sabores ‘ruins’ seriam justamente os amargos, salgados e azedos – presentes em alimentos estragados e tóxicos –, enquanto os ‘bons’ seriam as comidas doces e umamis, gostos característicos dos carboidratos e proteínas, ou seja, dos alimentos mais energéticos e nutritivos.

“Todos temos nossas preferências alimentares, mas algumas são inatas e compartilhadas por toda a espécie”

“Todos temos nossas preferências alimentares, mas algumas são inatas e compartilhadas por toda a espécie”, reforça outro pesquisador, Nick Ryba, do Instituto de Pesquisa Dental e Craniofacial de Bethesda (EUA). “Nosso experimento poderá nos ajudar a compreender esse intrigante comportamento alimentar humano.”

No futuro, Zucker e seus colegas pretendem aprimorar os estudos sobre o paladar usando a mesma técnica de imagem. Eles querem entender melhor como o estado emocional pode influenciar o processamento e a memória dos sabores e também compreender a relação do doce com o centro de recompensa do cérebro – rede de neurônios que, ao ser ativada por algumas substâncias, provoca uma sensação de prazer que leva à repetição da ação inicial.

Sofia Moutinho

Ciência Hoje On-line