Matança de baleias muito maior do que se pensava

Até hoje, estimava-se que houvesse 20 mil baleias jubarte no Atlântico Norte antes do início da caça predatória, no século 17 — praticamente o dobro dos indivíduos vivos atualmente. No entanto, um estudo genético indica que esse número pode ter sido mais de dez vezes maior: 240 mil indivíduos na mesma região e cerca de 1,5 milhão em todo mundo. As conclusões da pesquisa põem em xeque o que se conhece sobre a fauna marinha e podem retardar a liberação da caça pela Comissão Internacional Baleeira (CIB) nos próximos anos.

Cientistas analisaram a variabilidade genética das populações atuais de
baleias jubarte (foto) e de outras duas espécies de baleias (foto: NOAA)

Publicado na revista Science de 25 de julho, o estudo de Joe Roman e Stephen Palumbi, das Universidades de Stanford e Harvard (EUA), se baseou na comparação da região controladora do DNA mitocondrial de três espécies de baleia encontradas no Atlântico Norte: jubarte ( Megaptera novaeangliae ), fin ( Balaenoptera physalus ) e minke-anã ( Balaenoptera acutorostrata ). O objetivo era analisar a variação genética remanescente em cada espécie.

O DNA mitocondrial — em especial sua região controladora — é usado para estimar o tamanho populacional histórico de mamíferos porque sofre alterações com mais freqüência que as outras regiões do genoma, não recebe influências da seleção natural ou recombinação e apresenta taxas de mutação constantes ao longo do tempo. “Existe uma relação estreita entre tamanho populacional e variabilidade genética: quanto maior essa variabilidade em um dado grupo, maior o número de indivíduos que deu origem àquela população”, explica o biólogo Paulo Ott, do Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos do Rio Grande do Sul (Gemars).

Desde 1986 a CIB proibiu a caça às baleias porque atualmente seu número não é suficiente para sustentar uma economia baseada nessa atividade. Apenas Japão e Noruega continuam a capturar os animais para “fins científicos”. A caça só seria liberada quando as baleias atingissem um número equivalente a 54% do tamanho máximo que a população teoricamente pode atingir (a chamada ’capacidade de suporte da população’).

No entanto, os registros do tamanho populacional das espécies eram feitos a partir da observação dos próprios baleeiros, o que não inspira tanta credibilidade. Se as estimativas de Roman e Palumbi estiverem certas, a caça só poderia ser regulamentada daqui a cem anos de acordo com as normas da CIB, medida que desagradaria muitos paises membros da comissão.

Baleia-jubarte salta e expõe a nadadeira peitoral (foto: Univ. de Stanford)

A abundância das baleias no passado sugere ainda que houve mudanças no equilíbrio dos ecossistemas marinhos ao longo dos séculos. Se de fato o número de baleias no passado era dez vezes maior do que se acreditava, certamente houve uma maior demanda de alimento e predadores.

Quando as baleias morrem, a carcaça (inclusive a gordura, carne e ossos) é toda consumida por outros organismos — aves marinhas, tubarões, peixes, moluscos e crustáceos, entre muitos outros. “A diversidade desses organismos deveria ser dependente da disponibilidade dessas carcaças”, afirma o biólogo Salvatore Siciliano, da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz. “Se há menos baleias hoje, deve haver menor variedade de espécies marinhas.”

Andreia Fanzeres
Ciência Hoje On-line
31/07/03