O glaucoma, doença relacionada ao aumento da pressão dentro dos olhos e capaz de provocar cegueira, poderá, no futuro, ser tratado com terapia genética. Experimentos mostram que a inclusão de um gene em células da retina de ratos protege contra os efeitos da doença. A pesquisa foi apresentada hoje (23/8) na 27ª Reunião Anual da Federação das Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe), que acontece até sábado (25/8) em Águas de Lindoia (SP).
O estudo começou em 1999, quando pesquisadores do Laboratório de Neurogênese da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) realizaram uma triagem de genes envolvidos em morte celular na retina. Entre 2000 e 2004, eles identificaram o gene Max nas células ganglionares, responsáveis por levar a informação visual do olho para o cérebro.
Quando os pesquisadores agrediam as células ganglionares – por exemplo, cortando seu axônio, parte das células que conduz os impulsos nervosos –, eles perceberam que o produto do gene Max, uma proteína de mesmo nome, não migrava do citoplasma para o núcleo das células – seu destino final em condições normais – e muitas delas morriam.
“Como já se sabe que a morte das células ganglionares está envolvida no glaucoma, pensamos que talvez a superprodução de Max pudesse aumentar a concentração dessa proteína no núcleo das células e conferir algum efeito protetor contra a doença”, explica uma das coordenadoras da pesquisa, a biomédica Hilda Petrs Silva, do Laboratório de Neurogênese da UFRJ.
Modelo agudo
Para testar se havia algum efeito protetor, os cientistas se valeram de um modelo de glaucoma agudo, que é mais simples de se implementar. Primeiro, 40 ratos saudáveis receberam vírus que levaram o gene Max para as células ganglionares desses animais, o que resultou na superprodução da proteína nessas células.
Os animais então foram submetidos a uma cirurgia em que o axônio dessas células foi esmagado, o que gerou um aumento de pressão similar ao observado em casos de glaucoma ocasional, que pode ser causado, por exemplo, após um soco no olho. Depois de 15 dias, os pesquisadores mediram quantas células haviam morrido nos ratos tratados e em 40 ratos que não haviam recebido o vírus, mas que também tiveram o axônio esmagado.
“Nos animais não tratados, ou seja, que não superproduziam Max, a morte celular chegava a 80% ou 90%; já nos tratados, ela era de apenas 45% a 55%”, conta Silva.
Antes de publicarem os resultados, os pesquisadores estão finalizando experimentos de biodistribuição e funcionalidade para confirmar que o vírus só age nas células ganglionares e que estas, ao sobreviverem à agressão, mantêm a capacidade de transmissão de informação.
Possibilidades futuras
Uma das questões que os cientistas pretendem investigar agora é se a técnica também seria benéfica para tratar glaucoma crônico. Nesse caso, o modelo utilizado requer a cauterização das veias ao redor da íris, o que também simularia o aumento de pressão característico dessa doença. “Essa técnica, no entanto, tem um tempo de análise de oito a 12 meses”, comenta a biomédica.
O grupo também está investigando qual a função do gene Max. Sabe-se que a proteína é um fator de transcrição, ou seja, atua no processo de produção do RNA a partir do DNA. “Também sabemos que ele não é oncogênico, sua superexpressão não leva ao câncer”, revela Silva.
A pesquisadora ressalta que deve demorar ainda 10 anos até que sejam feitos testes em humanos, pois ainda não há vetores de qualidade, como os vírus usados na pesquisa, para inserir o gene em células humanas. “Estamos tentando trazer o teste clínico de terapia genética de amaurose congênita de Leber, outra doença de retina, para o Brasil, de modo a ajudar no desenvolvimento dessa tecnologia”, conclui.
Fred Furtado*
Ciência Hoje/ RJ
* O jornalista viajou a Águas de Lindoia a convite da Fesbe.