Medicamento natural contra superbactéria

Pode vir da flora brasileira um novo medicamento para combater uma bactéria super-resistente que é a principal causa de infecções hospitalares de alta mortalidade. O antibiótico está sendo desenvolvido pela empresa Extracta Moléculas Naturais a partir de uma planta até então desconhecida, a Kielmeyera aureovinosa.

O composto, batizado de Aureociclina, é capaz de eliminar a bactéria Staphylococcus aureus resistente à meticilina, microrganismo que pode infectar feridas ou cortes na pele e nas fossas nasais e penetrar no corpo. Normalmente, a contaminação não causa sintomas aparentes, mas, se a bactéria atingir a corrente sanguínea, pode provocar infecções em órgãos e sistemas do corpo e levar à morte.

Embora seja geralmente transmitido em hospitais, através de sondas e cateteres mal instalados e pelo contato de médicos e enfermeiros com o paciente, esse microrganismo já ultrapassou os limites do ambiente hospitalar. “Na comunidade, ele se manifesta, por exemplo, em clubes de luta e escolas, lugares onde normalmente há muitos machucados e as pessoas se tocam muito”, diz o médico Antônio Paes de Carvalho, fundador da Extracta e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Staphylococcus aureus
A bactéria ‘Staphylococcus aureus’ resistente à meticilina pode penetrar no corpo através de feridas ou cortes e provocar infecções em diversos órgãos e sistemas e até levar à morte. (foto: CDC/ Janice Carr/ Deepak Mandhalapu, M.H.S.)

Segundo Carvalho, a ideia inicial é formular o antibiótico na forma de creme para prevenir e tratar a infecção em lesões cutâneas. Assim, será possível também evitar que a bactéria se instale no organismo.

Direto da mata atlântica

Foi em uma incursão pela serra do Mar, na mata atlântica, que a equipe da Extracta descobriu a Kielmeyera aureovinosa. Para avaliar o potencial antimicrobiano desta e de outras 48 espécies da flora brasileira, os pesquisadores utilizaram etanol de alta pureza para extrair pequenas moléculas de cada parte das plantas (flor, folha, caule e raiz). Depois, esses diferentes extratos foram diluídos em água e outros solventes e testados em culturas resistentes de Staphylococcus aureus.

Os testes mostraram que a K. aureovinosa era a planta que tinha maior eficácia contra a bactéria, pois necessitava de menor concentração de extrato para obter os mesmos resultados que as outras espécies. Colocado em contato direto, durante 24 horas, com uma colônia de S. aureus resistentes à meticilina, o extrato da planta eliminou todas as bactérias.

O novo medicamento é um pouco mais eficaz que a Mupirocina, antibiótico sintético usado atualmente para combater infecções por S. aureus resistentes

Carvalho conta que o extrato mais ativo foi o da raiz de K. aureovinosa. Esse material foi então usado na preparação de um creme para uso tópico. Testado em culturas celulares e em pele de animais, o creme não apresentou toxicidade, mesmo em concentrações muito superiores às necessárias para matar a bactéria.

Os pesquisadores também verificaram que a Aureociclina é um pouco mais eficaz que a Mupirocina – antibiótico sintético usado atualmente para combater e prevenir infecções por S. aureus resistentes à meticilina em lesões cutâneas. “Para matar uma mesma quantidade de bactérias, é preciso usar 0,25 micrograma de Mupirocina por mililitro contra apenas 0,125 micrograma de Aureociclina”, diz Carvalho.

Agora a equipe da Extracta precisa mostrar que a Aureociclina não apenas mata as bactérias isoladas, como também combate a infecção no corpo. Para isso, o fitoterápico deve ser primeiro testado em animais infectados. No entanto, ainda não há previsão de quando esses testes serão feitos, porque a empresa não dispõe de recursos para realizá-los.

“O ideal seria que pudéssemos demonstrar também a utilidade do medicamento para aplicação por via oral ou intravenosa, pois só assim conseguiríamos atingir a infecção quando ela ultrapassasse a barreira cutânea e se espalhasse pelo organismo”, comenta Carvalho. E acrescenta: “Ainda estamos buscando parceiros financiadores para essa parte final da pesquisa, muito mais trabalhosa e cara”.

Fernanda Braune
Ciência Hoje On-line