Melhor amigo do homem descende dos lobos

Qual a origem do ’melhor amigo do homem’? Cientistas interessados por essa questão mostraram em dois artigos publicados em novembro na revista Science que os cães descendem de lobos cinzentos ( Canis lupus ) domesticados no leste da Ásia. A espécie se espalhou por esse continente e pela Europa e chegou à América junto com os primeiros ’exploradores’ do Novo Mundo, há cerca de 12 mil anos.

Os cães modernos (dir.) descendem da espécie Canis lupus (o lobo
cinzento, representado à esquerda em um selo norte-americano)
(foto: Bernardo Esteves)

O pesquisador Peter Savolainen, do Instituto Real de Tecnologia de Estocolmo (Suécia), analisou o DNA de cães do mundo inteiro e lobos da Eurásia e encontrou semelhanças genéticas que comprovam que os cães domesticados descendem dos lobos. A análise também determinou que os animais possuíam a mesma origem geográfica.

“Acreditava-se que os cães, como outros animais, tivessem sido domesticados no Oriente Médio”, diz o cientista. No entanto, os cães do leste da Ásia apresentaram a maior diversidade genética — resultado do cruzamento de animais com diferentes características, feito provavelmente por humanos em busca de certas qualidades nos cães. Assim, essa diversidade seria conseqüência da domesticação, o que sugere que os cães do leste da Ásia foram os primeiros a serem separados dos lobos.

A determinação da data da domesticação partiu de duas hipóteses: os cães modernos descendem de um grupo de canídeos que viveu há 15 mil anos e que possuía um ancestral comum há 40 mil anos. Restava descobrir se os cães foram domesticados a partir desse ancestral ou do grupo descendente dele. Mais uma vez, a solução veio da variabilidade genética. Os descendentes do grupo que viveu há 15 mil anos se diversificaram muito mais rapidamente que seus ancestrais, o que, segundo Savolainen, indica que esta é a data de início da domesticação.

Jennifer Leonard, pesquisadora do Museu de História Natural de Washington que estuda a origem dos cães e autora de um dos artigos, discorda da data encontrada por Savolainen. Sua equipe comparou seqüências de DNA de cães do Velho e do Novo Mundo e descobriu que os cães americanos pertencem à mesma família canina de três quartos dos cães do Velho Mundo. Isso sugere que os primeiros homens que chegaram à América trouxeram múltiplas linhagens de cães.

Para que isso fosse possível, a população de cães da época deveria ser grande e geneticamente bem diversa, o que foi comprovado por análises de DNA de animais do Velho Mundo que viveram há cerca de 12 mil anos (data dos primeiros fósseis de Homo sapiens encontrados na América). A data proposta — 15 mil anos — seria então impossível, pois significaria que os cães domesticados se diversificaram e se espalharam por três continentes em poucos milhares de anos. “Isso implicaria uma extensiva troca intercultural durante o período Paleolítico”, ironiza a pesquisadora.

O motivo para a domesticação dos cães, no entanto, ainda não foi descoberto. Mas os cientistas atribuem o sucesso desse animal entre os homens à sua contribuição para a caça e a colonização do Novo Mundo.

Gisele Lopes
Ciência Hoje On-line
21/01/03