Meteorologia não influencia suicídios em SP

 

Associações apontadas em estudos anteriores sobre o suicídio não foram confirmadas em uma tese de doutorado recém-defendida na Universidade de São Paulo (USP). O estudo do médico psicoterapeuta Kennedy Nejar indica que, pelo menos na maior metrópole do Brasil, não é possível estabelecer uma relação entre a incidência da luz solar e o número de crimes cometidos contra si mesmo.
 
Entre 1996 e 2004, Nejar confrontou dados meteorológicos com informações sobre os 4.018 casos de suicídio ocorridos nesse período em São Paulo. Ele analisou os níveis de irradiação solar e a temperatura atmosférica, assim como os períodos do ano em que ocorreram as mortes. Em todos os quesitos, o psicoterapeuta percebeu uma uniformidade que impede a afirmação de relações entre clima e suicídio. “A única tendência que posso afirmar é de uma diminuição no número de casos desde 1996, apesar do crescimento populacional”, diz.
 
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O gráfico acima mostra a evolução dos suicídios em São Paulo ao longo dos anos. Na capital paulista, a causa mais comum desse tipo de óbito entre os homens é o enforcamento. A pesquisa não oferece essa informação sobre as mulheres.

Os resultados de Nejar contrariam um padrão apontado em uma série de pesquisas anteriores sobre o tema analisadas por ele em sua revisão bibliográfica. Esses estudos indicavam uma ligação do suicídio com o clima: o número de mortes se concentrava sobretudo nos dias ensolarados e, principalmente, no verão, ao contrário do que poderia sugerir o senso comum.

 
Segundo Nejar, muitos desses estudos tratavam da luz solar e a temperatura como os únicos fatores responsáveis por variações nos índices de suicídio. “É difícil afirmar correlações nesse tema, já que há outros aspectos envolvidos, como características culturais e aspectos sócio-econômicos”, explica. Ele cita como exemplo um estudo inglês que afirmava inicialmente que o café causava câncer de pulmão. “Apesar de corretas as análises estatísticas, posteriormente comprovou-se que a verdadeira causa era o tabagismo, hábito associado ao de beber café.”
 

Homens x Mulheres
Na maioria dos estudos sobre suicídio, nota-se uma grande diferença no número de mortes entre os sexos. No caso da pesquisa em São Paulo, 76,9% dos crimes foram cometidos por homens. Segundo Nejar, fatores neurológicos parecem não explicar essa variação. “O comportamento social afeta de modo diferente homens e mulheres em diversos momentos da vida, como na transição da adolescência para a idade adulta”, explica. “Talvez essa diferença percentual vá além de questões neurológicas e esteja relacionada predominantemente com aspectos culturais, econômicos e sociais.”

Segundo o psicoterapeuta, as associações entre clima e suicídio podem ser maiores em locais onde há estações do ano mais destacadas, como no norte europeu, em regiões mais próximas dos pólos. Mesmo assim, não se pode responsabilizar totalmente a luz solar, a temperatura ou as estações do ano. “Atualmente, o ambiente pode ser, em alguns aspectos, controlado pelo homem. Podemos nos aquecer no frio ou nos refrescar no calor.”

 
Se a influência da luz do sol no suicídio é uma questão polêmica, o que é quase certo entre pesquisadores é a relação entre aspectos biológicos com esse tipo de morte. Segundo Nejar, a disfunção do neurotransmissor serotonina, por exemplo, está relacionada com as depressões, esquizofrenias, entre outras doenças psíquicas que, por sua vez, estão ligadas a uma maior freqüência de suicídio. “Há também estudos, ainda em fase preliminar, que buscam identificar uma predisposição genética para o suicídio, além de uma possível associação com um determinado gene.”

Júlio Molica
Ciência Hoje On-line
19/12/2005