Mochileiros alados

Por que algumas aves voam em grupo e como se dá essa sintonia sempre foi um mistério para os cientistas. Para esclarecê-lo, o caminho mais óbvio seria coletar dados precisos da movimentação de cada membro do grupo. No entanto, a aferição dessas informações na natureza sempre esbarrou em dificuldades tecnológicas.

Mas isso começa a mudar graças à solução engenhosa proposta por cientistas europeus. Eles tiveram a ideia de equipar pombos com pequenas mochilas equipadas com sensores do sistema de posicionamento global – ou GPS, como são popularmente conhecidos – leves e de alta precisão. Os dados coletados pelas aves mochileiras estão ajudando os cientistas a entender melhor seu padrão de voo coletivo.

A ideia foi posta em prática por cientistas das universidades Eo¨tvo¨s, na Hungria, e Oxford, no Reino Unido. Os resultados do estudo foram publicados com destaque de capa na  revista Nature de 8 de abril.

O experimento consistiu em rastrear 13 pombos que voavam em grupos de até 10 indivíduos. Cada animal carregava nas costas uma pequena mochila com o aparelho de GPS, capaz de gerar dados com precisão de frações de segundos. A partir deles, foram feitas análises estatísticas.

Os pesquisadores identificaram uma hierarquia bem definida no interior do bando

Um dos principais resultados foi a identificação de uma hierarquia bem definida no interior do bando. As análises mostraram que alguns animais realizavam os movimentos ligeiramente antes do resto. Em seguida, outros animais seguiam esses líderes, copiando seu movimento.

“Esse papel não era exercido sempre pelo mesmo indivíduo”, explica à CH On-line Tamás Vicsek, um dos autores da pesquisa. ”Dois dos pássaros acompanhados lideraram a maioria dos voos, mas, em alguns casos, outros indivíduos assumiram a liderança”.

Assista abaixo a uma animação que representa o voo de um bando de dez pombos, reconstituído a partir de dados de GPS. Cada ave é representada com uma cor definida em função de sua posição hierárquica no bando, conforme mostra a escala no topo à esquerda.

Hierarquia sofisticada

As relações líder-seguidor foram estabelecidas em pares de animais, ou seja, os pombos tendiam a copiar as escolhas de indivíduos particulares e eram copiados por outros em seguida, o que sugere que há vários níveis hierárquicos no interior do grupo.

Segundo os autores, do ponto de vista evolutivo, essa sofisticada hierarquia pode trazer mais benefícios para os membros do grupo do que um sistema no qual haja um único líder ou uma distribuição mais igualitária de papéis.

Além disso, a posição dos pombos no bando diz muito sobre sua posição hierárquica, mas não apenas segundo uma relação óbvia entre pássaros que voam à frente e os que voam atrás. Os seguidores geralmente estão à direita dos líderes, ou seja, eles observam-nos pelo olho esquerdo.

O papel de liderança pode estar relacionado a uma maior capacidade de navegação

Isso pode ser explicado pelo fato de o hemisfério direito do cérebro dos pombos – que recebe os estímulos captados pelo olho esquerdo – ser especializado nos estímulos sociais. Quando eles percebem um companheiro pelo olho esquerdo, tendem a responder mais rapidamente ou mais fortemente a seus movimentos.

O papel de liderança pode estar relacionado a uma maior capacidade de navegação. Quando avaliados em voos individuais, os líderes traçaram caminhos mais precisos que os seguidores. Porém, ainda não há dados conclusivos sobre esse aspecto.

Além dos pombos, os estudiosos acreditam que outras espécies animais possam seguir o mesmo sistema para movimentos coletivos. “Há chance de isso acontecer em relação a outros pássaros e algumas espécies de peixes, e já há alguma evidência em observações de grupos de zebras”, aponta Vicsek.