Molécula pode dar origem a anticoncepcional masculino



A foto A mostra o corte de testículos de ratos normais, com a produção regular de espermatozóides. A foto B mostra o testículo de ratos inférteis, quatro semanas após o tratamento com adjudina (fotos: Nature Medicine ).

A maior parte dos métodos anticoncepcionais existentes é voltada para as mulheres – o uso da camisinha e a vasectomia, irreversível, são as únicas alternativas disponíveis no mercado às quais os homens podem recorrer. Um estudo feito por cientistas do Conselho Populacional do Centro para Pesquisa Biomédica, nos Estados Unidos, aponta um caminho que pode, no futuro, mudar esse quadro. A equipe conseguiu induzir a infertilidade em ratos machos de forma reversível, com o uso de uma molécula conhecida como adjudina, como mostra um artigo publicado na edição deste mês da Nature Medicine .

Esse composto atua no processo de produção das células reprodutivas masculinas (os espermatozóides) no interior dos testículos. A adjudina se mostrou capaz de impedir a adesão das células germinativas às chamadas células de Sertoli, que fornecem suporte metabólico e estrutural aos espermatozóides em desenvolvimento. Sem essa adesão, o amadurecimento do gameta é interrompido e o resultado é a infertilidade do macho, sem que haja qualquer efeito sobre o nível de hormônios sexuais nos testículos.

Em testes feitos com oito ratos, a adjudina, administrada por injeção intraperitoneal, mostrou-se capaz de, quatro semanas após o tratamento, eliminar os espermatídeos (células que dariam origem aos espermatozóides) em mais de 98% dos túbulos seminíferos (estruturas em que são formados os gametas masculinos). Os resultados mostraram ainda que, doze semanas após o tratamento, cerca de 80% dos túbulos seminíferos já apresentavam a formação normal de espermatozóides.

Efeitos colaterais
Em um estudo de 2005, a mesma equipe havia mostrado que a adjudina era capaz de induzir a infertilidade em machos, apesar de apresentar efeitos colaterais como inflamação do fígado e atrofia muscular. Para contornar esse inconveniente, os pesquisadores tiveram que desenvolver um método para “endereçar” diretamente a adjudina aos testículos, de forma que não afetasse outros órgãos.

O candidato ideal para esse propósito era o hormônio estimulante folicular (FSH), porque, nos machos, apenas as células de Sertoli possuem receptores para reconhecê-lo. “Nosso laboratório passou dois anos para desenvolver, por engenharia genética, uma forma mutante de FSH para servir como veículo específico para encaminhar compostos para os testículos”, conta C. Yan Cheng, autor principal do estudo, à CH On-line . Os pesquisadores modificaram o hormônio de forma a remover sua atividade sem comprometer sua capacidade de ser reconhecido pelos receptores.

A solução pemitiu que uma dose menor de adjudina fosse administrada, de forma a aumentar sua seletividade e eficácia. Os testes indicam que a substância não foi tóxica para os ratos nas doses capazes de induzir a infertilidade, além de não produzir efeitos adversos observáveis.

Os autores acreditam que a estratégia poderia funcionar também com humanos, mas há alguns obstáculos a superar até que tenhamos um anticoncepcional masculino à base de adjudina. “É muito caro produzir a proteína FSH mutante recombinante, e precisamos desenvolver um método de administração alternativo à injeção”, conta Cheng. “Isso tudo, somado aos estudos de toxicidade, pode tomar de cinco a sete anos de trabalho”, estima.

Segundo o autor, dois outros métodos contraceptivos para homens estão na fase 3 de testes e podem chegar ao mercado dentro de um a dois anos. Ambos atuam diminuindo os níveis do hormônio androgênio nos testículos, de forma a perturbar a formação de espermatozóides. “Porém, como esse método vai interferir no nível de hormônios sexuais, alguns homens podem temer pela perda da masculinidade”, ressalta Cheng. 

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
07/11/2006