Morre uma estrela

Os instantes iniciais de uma supernova, evento cósmico que surge com a explosão de uma estrela massiva e dá origem a novos objetos celestes, começam a ser desvendados pelos astrônomos. Uma equipe internacional de pesquisadores fez o registro inédito da explosão de raios-X extremamente luminosos que marca o início desse fenômeno raro.

Clique na imagem para ver uma animação que reproduz os instantes iniciais de uma supernova, desde a explosão de sua estrela mãe até a formação de um novo objeto celeste (arte: Dana Berry/ Nasa).

Uma supernova ocorre quando o núcleo de uma estrela massiva (com mais de oito vezes a massa do Sol) fica sem combustível e entra em colapso. Nesse processo, ele emite uma poderosa onda de choque que produz uma curta e brilhante explosão de raios-X ao alcançar a superfície estelar. Essa explosão é o primeiro passo para a expulsão da maior parte da matéria que compunha a estrela para o espaço. O evento pode culminar com a formação de dois tipos de objetos: um buraco negro ou um corpo celeste ultradenso chamado estrela de nêutrons.

Esse modelo de colapso do núcleo para explicar a formação de uma supernova é aceito há muitos anos, mas os detalhes da explosão ainda não eram conhecidos. Algumas teorias sustentavam que a expansão da onda de choque da supernova através da superfície estelar seria acompanhada por explosões de raios-X ou emissões de luz ultravioleta.

No entanto, a confirmação dessa hipótese esbarrava na curta duração do fenômeno (de segundos a horas) e na falta de equipamentos sensíveis para detectar as emissões. Milhares de explosões de supernova já tinham sido observadas por astrônomos, mas nunca em um estágio tão precoce, minutos depois do colapso do núcleo da estrela mãe. 

Uma mãozinha do acaso
A observação inédita foi feita pelo telescópio do satélite Swift, da Nasa (a agência espacial norte-americana), e contou com uma dose de sorte. O acaso interveio quando os pesquisadores investigavam uma supernova de algumas semanas de vida (chamada SN 2007uy) na constelação de Lince, em uma galáxia a 90 milhões de anos-luz da Terra.

Foi então que o grupo detectou, próxima a esse objeto, uma explosão de raios-X muito intensos, com duração de 400 segundos. Tratava-se de uma segunda supernova, batizada de SN 2008D. A luz emitida por ela tinha propriedades diferentes das de todos os raios-X breves conhecidos. Dois dias antes, não havia sido captada qualquer fonte desses raios na mesma localização.

“Estávamos no lugar certo, no momento certo e com o telescópio certo no dia 9 de janeiro e testemunhamos a história”, disse à imprensa a pesquisadora que liderou o estudo da explosão, Alicia Soderberg, da Universidade de Princeton e dos Observatórios Carnegie, ambos nos Estados Unidos.

O evento foi acompanhado por outros oito telescópios espalhados pelo mundo e em órbita para garantir que se tratava de uma supernova. Além dos registros de raios-X, os equipamentos usados captaram luz visível, luz ultravioleta, espectros próximos do infravermelho e imagens da explosão.

Durante a observação da supernova SN 2007uy, o satélite Swift, da Nasa, detectou uma segunda supernova (SN 2008D) no momento de seu surgimento, visto em imagens de raios-X (à esquerda) e ultravioleta (à direita) (imagem: Nasa/ Swift Science Team/ Stefan Immler).

Imagem precoce e detalhada
“Nossa descoberta tornou possível uma inédita visão detalhada e precoce da supernova”, dizem os autores no artigo que relata o feito, publicado na Nature desta semana. “[As observações] nos permitiram inferir o raio da estrela mãe, sua perda de massa nas horas finais antes da explosão e a velocidade do choque quando ele explodiu a estrela.”

A equipe concluiu que a explosão estelar se originou provavelmente de uma estrela com aproximadamente 30 vezes a massa do Sol, embora com raio menor ou igual ao dele. O novo objeto celeste formado mede o mesmo tamanho da estrela antes da explosão. Segundo os pesquisadores, a energia e o padrão da explosão de raios-X coincidem com a propagação de uma onda de choque através da superfície da estrela.

Embora a ocorrência de supernovas seja rara – apenas uma ou duas a cada século em uma galáxia –, os cientistas acreditam que outros satélites com sensibilidade similar à do Swift possam revelar o nascimento de muitas outras supernovas, já que agora o padrão de raios-X a ser procurado já é conhecido. “Prevemos que futuros levantamentos de raios-X de amplo espectro capturarão a cada ano centenas de supernovas no ato de sua explosão”, afirmam os autores no artigo.

Segundo os astrônomos, a descoberta permite a consolidação de campos de pesquisa antes considerados muito improváveis, como a busca por neutrinos e rajadas de ondas gravitacionais, que, segundo previsões, acompanham o colapso de um núcleo estelar e o nascimento de uma estrela de nêutrons.

“As explosões de raios-X providenciarão pontos de partida temporais e locais inéditos para detectores de ondas gravitacionais e neutrinos, que podem ter a chave para finalmente resolver o mistério do mecanismo de explosão de supernova e talvez a identidade dos remanescentes compactos”, conclui a equipe. 


Thaís Fernandes

Ciência Hoje On-line
21/05/2008