Municípios fluminenses aderem à inclusão digital

 

A partir de hoje, os habitantes de Mangaratiba, no Rio de Janeiro, tornam-se os mais novos cidadãos digitais do estado. A cidade do litoral fluminense segue o exemplo de Rio das Flores, cuja rede pública de internet em banda larga foi inaugurada no início do mês. O acesso a terminais, quiosques e laboratórios digitais no centro das cidades é gratuito, mas aqueles que podem optar pelo acesso privado podem instalar um kit de conexão sem fio e, mediante uma taxa mensal de R$ 35, se manter ligados à rede mundial de informações. Premiado internacionalmente, o projeto é uma iniciativa das prefeituras em parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF) e já colhe frutos em Piraí, município digital desde 2004. Seu coordenador, o professor da Faculdade de Economia da UFF Franklin Coelho, concedeu a seguinte entrevista à CH On-line .  

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Franklin Coelho, professor da Faculdade de Economia da UFF e coordenador do projeto de inclusão digital dos municípios do RJ

Como surgiu o projeto dos municípios digitais?
O projeto nasceu em 2002 no município de Piraí, mas vem de uma ambiência já construída. Em 1996, houve um processo de privatização da Light na cidade que impactou praticamente a metade da população, de 23 mil habitantes. Para enfrentar esse cenário, foi iniciada a parceria com a UFF. Fizemos o perfil econômico municipal a fim de traçar caminhos de desenvolvimento local, que envolveram a construção de um condomínio industrial e o aproveitamento da piscicultura articulada por cooperativas. Isso gerou novas empresas e recuperou a taxa de emprego. Mas as empresas passavam a exigir, cada vez mais, uma capacitação na área de informática. Criamos então um projeto de inclusão digital em uma dimensão mais ampla, pensando em uma cultura de direito à informação, à comunicação e ao conhecimento. Nossa experiência foi bem-sucedida e decidimos repeti-la em Rio das Flores e Mangaratiba, que também haviam construído suas bases para a inclusão social. 

Como implantar essa cultura de direitos à informação, à comunicação e ao conhecimento?
Assim como há uma rede de infra-estrutura que abastece a cidade de água, por exemplo, é preciso também uma rede de transmissão de voz e dados para garantir informação de qualidade. Temos hoje aprovado no Brasil o Estatuto da Cidade, que diz que a população deve ter direito a educação, saúde, habitação, transporte e informação. A própria Unesco diz que a informação é um pré-direito, pois se você não tiver informação, não conhece seus direitos. O projeto de municípios digitais parte de um conceito de acesso universal pensado com um suporte em rede. São novas tecnologias adaptadas ao cotidiano do cidadão e à sua cultura.

E não existem choques entre a cultura desses pequenos municípios e as novas tecnologias?
Em qualquer introdução do projeto em um pequeno município, as pessoas vão nos considerar como uma oportunidade ameaçadora. Sabemos que não basta só instalar computadores na praça sem orientar a população. Por isso, fazemos um trabalho de sensibilização da comunidade. Dialogamos o tempo todo com o território e com a sua cultura. Promovemos seminários e cursos de formação de atendentes de quiosques e telecentros. Capacitamos os professores da rede pública e discutimos inclusive a sua visão pedagógica, mas em nenhum momento tentamos criar uma nova escola, completamente alheia à realidade.

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Página principal do site Piraí Digital (clique na imagem para visitar o site)

Há diferenças entre os projetos de Piraí e Rio das Flores?
Evidentemente, pois o projeto não pode ser transposto de forma mecânica. Em Piraí, formou-se um conselho diretor da cidade que discutiu o mapeamento digital após o desenvolvimento do eixo econômico local. Já em Rio das Flores foi criado um centro de governança local, voltado sobretudo para o fortalecimento do turismo nas antigas fazendas cafeeiras. Rio das Flores foi um dos municípios mais impactados pela decadência do ciclo do café, além de ter sido muito marcado pela escravidão. Portanto, a cultura de direitos foi trabalhada em função da dinâmica de cada território: sua história, cultura e trajetória econômica. 

Quais são os planos do projeto de municípios digitais?
Este projeto tem uma longa caminhada pela frente, porque depende não só dos três municípios em que já foi implantado. Eles devem servir como referência de que pode ser feita uma política pública de inclusão digital e de direito à informação no país, ou seja, um plano nacional de cidades digitais, de redes com acesso universal garantido. Para que isso aconteça, são necessários consórcios do município para reduzir custos e implantar novos conteúdos. Em Piraí e em Rio das Flores isso foi possível, e em Mangaratiba, nossa experiência mais recente, também. Lá ainda contamos com investimentos privados.

Há outras equipes promovendo a inclusão digital de municípios no Brasil?
A partir da nossa disseminação há algumas experiências já ocorrendo, em Minas Gerais [Ipatinga e Ouro Preto, por exemplo], em São Paulo [Sud Mennuci ou Casa Branca]. Acredito que a tendência seja a possibilidade de disseminação de outras experiências, cada uma com suas próprias características, mas todas caminhando no mesmo sentido: a inserção de desenvolvimento local e de uma cultura de direitos.

A população dos municípios onde o projeto foi implantado até agora não passa dos 25 mil habitantes. Uma população pequena pode ser considerada como critério facilitador para que uma cidade seja digitalmente incluída?
A escolha dos municípios se deu de acordo com o seu alto nível de exclusão da rede mundial de internet. Tanto em Piraí quanto em Rio das Flores, somente algumas casas tinham, no máximo, conexões discadas, tarifadas como ligações interurbanas. Se não houvesse uma ação de integração dos pequenos municípios, eles ficariam cada vez mais excluídos. E, de alguma forma, é interessante também porque, ao trabalharmos em pequenos municípios, valorizamos as culturas locais e evitamos processos migratórios. Mas pretendemos também entrar em grandes regiões metropolitanas. 

A renda obtida com a instalação da internet em banda larga nos computadores pessoais é capaz de sustentar os centros de acesso gratuito? 
O plano financeiro que fizemos indica que o número de instalações em casas seria capaz de gerar recursos que garantissem a manutenção dos computadores públicos. É claro que o acesso nas residências está ligado a determinados padrões de consumo e exige uma renda mínima. De algum modo, também trabalhamos para facilitar esses acessos: existe a possibilidade, por exemplo, de professores comprarem computadores financiados com desconto em folha. Outro caminho interessante pode ser a introdução do computador popular, com preços mais acessíveis à população. O conjunto da cidade se dá de uma forma integrada, com pais visitando a escola dos filhos e tendo seus primeiros contatos com o computador, por exemplo.

Como lidar com inclusão digital diante de uma realidade de analfabetismo no Brasil?
O projeto de cidade digital tem de estar associado a um projeto de desenvolvimento local. As cidades onde trabalhamos já vinham combatendo o analfabetismo, investindo na formação educacional, na aceleração escolar, na incorporação de cursos para adultos… As possibilidades se integram: aos cursos supletivos, são adicionadas aulas de cidadania e de informática. Também existem sistemas de alfabetização que articulam a alfabetização digital com a alfabetização tradicional, universidades à distância… As possibilidades se multiplicam. A tecnologia pode ajudar e muito a enfrentar problemas.

Lia Brum
Ciência Hoje On-line
20/09/05