Museus de biodiversidade

A grande biodiversidade encontrada nos trópicos é atribuída a uma alta taxa de especiação, a transformação de uma espécie em duas novas. Em outras regiões do planeta, esse processo seria mais lento e resultaria em menos espécies. No entanto, segundo artigo publicado hoje na revista científica norte-americana Science , o que estaria ocorrendo é exatamente o contrário: as regiões tropicais teriam baixos níveis de especiação, enquanto as zonas temperadas apresentariam altas taxas.

O anambé-branco-de-máscara-negra ( Tityra semifasciata ), uma das espécies usadas no estudo, divergiu de sua espécie irmã, o anambé-branco-de-rabo-preto, há quatro milhões de anos. (Foto: Jason Weir).

Segundo os autores, haveria um gradiente da linha do equador para os pólos: quanto mais distante dela, maior a velocidade do processo. Esse fator, combinado com o grande número de extinções naturais, faria com que as altas latitudes tivessem uma rápida reposição de espécies. “Isso vai de encontro à crença de que locais como a Amazônia são ‘usinas’ de especiação”, conta o biólogo evolutivo canadense Jason Weir, doutorando do Departamento de Zoologia da Universidade da Colúmbia Britânica, em Vancouver (Canadá), e principal autor do trabalho.

No estudo, Weir utilizou as idades, determinadas por meios genéticos, e as latitudes onde ocorre o acasalamento de 309 espécies irmãs (mais próximas evolutivamente uma da outra e com um ancestral comum) de pássaros e mamíferos do continente americano para inferir as taxas de especiação e extinção. Para sua surpresa, as idades nos trópicos eram em média de 3,4 milhões de anos, enquanto no Ártico eram de menos de um milhão.

Segundo o biólogo, isso indicaria que a especiação e a extinção em regiões tropicais são baixas. “Se o processo fosse rápido, veríamos apenas espécies jovens, pois elas acabariam divergindo antes de chegarem a idades avançadas”, explica Weir. Ele acrescenta que a baixa extinção permite que as espécies se acumulem. “Os trópicos são como museus, que preservam a biodiversidade através do tempo”, sugere. Nas altas latitudes, apesar da taxa de especiação ser maior, as extinções também são mais freqüentes e levariam a um número menor de espécies.

Para o biólogo Leonardo Santos Ávilla, coordenador do Laboratório de Mastozoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), o achado cria um novo paradigma. “Agora, precisamos analisar outros dados, como o registro fóssil, para confirmar se essa nova hipótese procede”, afirma.

Uma possível explicação para os dados encontrados, de acordo com Weir, seria a estabilidade climática dos trópicos nos últimos 15 milhões de anos, a qual forneceria menos oportunidades de separação de populações – o primeiro passo para a especiação – e de extinções. “Em contraste, nas latitudes mais altas, ocorreram repetidas flutuações climáticas e expansões da camada de gelo”, observa o pesquisador, que agora estuda se a evolução de características morfológicas também é mais rápida longe do equador.

Fred Furtado
Especial para Ciência Hoje On-line
15/03/2007