Integração, educação e inovação são alguns dos desafios para o desenvolvimento sustentável que podem ser vencidos com o auxílio da ciência. Por isso mesmo as três frentes são tema de uma declaração e um documento lançados hoje (21/11) por cientistas brasileiros e de demais países da América Latina e do Caribe.
A iniciativa vem no embalo das discussões do Fórum Mundial de Ciência, um dos maiores eventos da área e que ocorrerá pela primeira vez no Brasil na semana que vem, no Rio de Janeiro. Na ocasião, pesquisadores e tomadores de decisão do mundo todo se reunirão para refletir sobre políticas científicas de impacto global. Mas o debate não esperou até lá.
As reflexões que norteiam o encontro começaram no ano passado com uma série de sete conferências realizadas em capitais brasileiras. Dessas reuniões, resultaram um sumário com as principais conclusões alcançadas e a recém-lançada declaração, com recomendações para as ações futuras de ciência, tecnologia e inovação.
Ambos os documentos, anunciados em um evento preparatório para o fórum realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), chamam a atenção para a necessidade de integração da ciência na América Latina e Caribe.
“Os países dessa região têm várias características em comum que podem ser aproveitadas e devem ser consideradas para se pensar em conjunto o desenvolvimento sustentável”, diz um dos relatores dos documentos, o físico Luiz Davidovich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
E continua: “Por um lado, temos na América Latina a maior concentração de água doce, a maior diversidade e o maior sumidouro de CO2 do planeta. Mas, por outro lado, assistimos à formação de megalópoles com carências de infraestrutura e ainda temos exportação baseada em commodities, baixa participação no desenvolvimento de produtos de alta tecnologia e deficiências na educação.”
Para os cientistas, uma das maneiras de alavancar o desenvolvimento científico regional é a criação e intensificação de laboratórios multiusuários que recebam pesquisadores de diferentes países latinos e promovam o intercâmbio de conhecimentos.
Segundo o secretário executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) Luiz Antonio Elias, o Brasil já conta com pelo menos quatro laboratórios desse tipo. Os principais são o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas (SP), que recebe pesquisadores internacionais, e o Reator Multipropósito, que está sendo construído em Iperó (SP), com tecnologia argentina e brasileira, para ser compartilhado por países latino-americanos.
Burocracia zero
Os documentos também recomendam que haja uma reformulação das legislações sobre ciência na região, de modo a facilitar os intercâmbios de experiências, de recursos humanos e até de materiais de pesquisa.
De acordo com o neurocientista Luiz Eugênio Mello, diretor de tecnologia da Vale e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo, a burocracia jurídica no Brasil tem impedido o desenvolvimento científico e a troca de saberes entre países.
“Por lei, uma instituição pública brasileira, como a maior parte dos centros de pesquisa e universidades por aqui, não pode alocar recursos públicos em instituições internacionais”, explica. “Eu já vi várias parcerias com universidades internacionais de ponta serem impedidas por isso. Precisamos trabalhar o arcabouço legal se quisermos internacionalizar nossa ciência, precisamos abrir nossas fronteiras de fato.”
A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, também atenta para a necessidade de uma reforma na legislação e cita como exemplo a PEC 290, uma proposta de emenda constitucional em votação na Câmara que prevê a obrigação estatal de promover e incentivar a ciência, a tecnologia e a inovação.
Educação integrada
Os documentos também ressaltam a importância de investir na carreira científica, fortalecer a cooperação entre as universidades e valorizar as políticas educacionais regionais. O ex-ministro da Ciência e Tecnologia Sergio Rezende cita como bom exemplo na área o programa de expansão de universidades para o interior promovido pelo governo Lula.
“Hoje temos ciência e tecnologia sendo desenvolvidas em todo o país nos campi avançados que foram criados fora das capitais”, comenta. “Você não imaginam a diferença que uma universidade dessas faz na vida de um jovem do interior e na cidade com um todo. Estou convencido de que essa distribuição das universidades, daqui a dez anos, vai fazer com que o Brasil seja um país realmente diferente.”
O professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Jailson de Andrade, membro do Conselho Diretor do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, concorda, mas atenta que é preciso não só criar novas universidades, mas prover a infraestrutura necessária para seu funcionamento.
“A iniciativa é ótima, mas é preciso rever esse sistema e dar condições para que os professores e doutores que vão para esses campi possam desenvolver um bom trabalho, pois há campus em que eles não têm nem internet”, diz.
Sustentabilidade
A declaração, que será entregue aos participantes do Fórum Mundial de Ciência, recomenda ainda que sejam promovidas mais pesquisas sobre adaptação às mudanças climáticas e prevenção de desastres naturais, juntamente com investimentos para melhorar o aproveitamento sustentável dos recursos naturais.
“Precisamos investir no uso racional dos recursos florestais e marinhos com base científica”, alerta Davidovich. “Aqui no Brasil, por exemplo, temos que desenvolver um plano consistente para a Amazônia que não implique somente em manter a floresta como está, mas usar seus recursos com alta tecnologia. Só assim o desenvolvimento sustentável será possível.”
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line