Nanotecnologia em prol do diabético

Um biofármaco produzido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pode potencializar o tratamento dos cerca de 250 milhões de diabéticos em todo o mundo. O tratamento é baseado na liberação prolongada de amilina, hormônio produzido pelo pâncreas que, junto com a insulina, ajuda a controlar as taxas de açúcar no sangue.

Nos diabéticos, a produção de amilina é afetada da mesma forma que a de insulina e por isso o tratamento da doença deve incluir a reposição dos dois hormônios. Até agora, no entanto, não era possível desenvolver uma formulação para o seu uso terapêutico. O principal empecilho é o fato de a amilina humana ser insolúvel.

Até agora não era possível desenvolver uma formulação para o uso terapêutico da amilina

Como explica o farmacêutico Luis Mauricio Lima, professor da UFRJ e coordenador da equipe que desenvolveu o biofármaco, a insolubilidade leva à agregação da proteína, o que impede o seu uso terapêutico. Essa agregação é um fenômeno que pode ocorrer naturalmente no organismo, degenerando algumas células e causando doenças como Alzheimer e Parkinson.

Pesquisadores nos Estados Unidos já produziram biofármacos com análogo solúvel da amilina, substituindo alguns de seus aminoácidos na tentativa de contornar o problema. Mas, ainda assim, esses medicamentos não são 100% satisfatórios.

Primeiro porque a mutação provocada na sequência original do hormônio acarretou efeitos colaterais ao organismo. Além disso, a reposição hormonal sintética não atua quando o paciente está em jejum.

“No diabético em jejum, a taxa de glicose, embora reduzida em relação ao estado de refeição, é quase seis vezes maior que essa mesma taxa em uma pessoa saudável. Daí a necessidade de controlar a glicemia nesse estado também”, afirma Lima.

Lenta e contínua

Para contornar de vez o problema da insolubilidade da amilina e fazer com que o hormônio também atue no estado de jejum dos diabéticos, Lima e sua equipe recorreram à nanotecnologia.

No Laboratório de Biotecnologia Farmacêutica da UFRJ, os pesquisadores encapsularam nanopartículas de amilina humana em um material compatível com o organismo. O tamanho ínfimo dessas partículas – de cerca de 200 nanômetros – permite que elas sejam administradas por injeção subcutânea ou intramuscular. 

Pesquisadores encapsularam nanopartículas de amilina humana em um material compatível com o organismo

Lima explica que, nesse processo, a amilina não deixa de ser insolúvel, mas, por ser liberada lentamente, mantém-se sempre em baixa concentração, eliminando o risco da agregação de proteínas.

“Nesse sistema, as pequenas ‘bolinhas’ vão se desfazendo e liberando a amilina que é continuamente absorvida pelo corpo”, descreve o pesquisador. Segundo ele, esse sistema de liberação lenta e contínua da amilina apresenta outra vantagem.

“Considerando que seriam necessárias duas injeções por refeição, uma de cada hormônio, esse esquema poderia reduzir as doses diárias de amilina para uma por semana ou até uma por mês”, avalia Lima.

Camundongos
A amilina em escala nanométrica liberada no organismo de camundongos saudáveis em jejum reduziu significativamente a taxa de glicose no sangue desses animais por pelo menos 36 horas. (foto: Aaron Logan/ CC BY 1.0)

O modelo terapêutico já foi testado em camundongos saudáveis em jejum e apresentou resultados positivos: as nanopartículas de amilina liberadas de forma prolongada reduziram significativamente a taxa de glicose no sangue desses animais por pelo menos 36 horas.

Mas o sucesso total do biofármaco depende ainda de um empurrãozinho. “Como no desenvolvimento de qualquer medicamento, as próximas etapas da pesquisa exigem investimentos altos”, reconhece Lima. O pesquisador espera que o registro da patente, que já foi pedido, desperte o interesse de empresas em produzi-lo para o mercado.

Carolina Drago
Ciência Hoje On-line