Não é mole, não

 

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A foto mostra um tucano-toco ( Ramphastos toco ). Tucanos são extremamente sociais e barulhentos. Podem ser ouvidos a uma distância de até 1 km. A maioria habita a Amazônia, mas alguns já foram encontrados até no norte do México.

 
Que o bico dos tucanos era duro, os petistas já sabiam. O que cientistas da Universidade da Califórnia em San Diego acabam de mostrar é que essa resistência, associada à leveza do material, podem servir de modelo para a fabricação de aeronaves ultraleves e automóveis no futuro. O estudo, coordenado pelo engenheiro de materiais brasileiro Marc Andre Meyers, foi publicado em dezembro na revista Acta Materialia .
 
A equipe do engenheiro analisou bicos de aves mortas por causas naturais, cedidas por um criadouro local, e descreveu os sistemas responsáveis pela dureza e ao mesmo tempo leveza do material. “Apesar de ter um terço do comprimento do corpo do animal, o bico tem quase o mesmo peso que uma pena e responde por apenas 5% de sua massa total”, disse Meyers em entrevista à CH On-line . O bico do tucano pesa aproximadamente 25 gramas – pouco mais que um bombom ‘Serenata de Amor’.
 
Meyers explica que o segredo da forte resistência e leveza do bico do tucano está em uma estrutura organizada como um sanduíche. Por dentro, uma espécie de espuma rígida é intercalada por fibras ósseas extremamente calcificadas que agem como ‘vigas’. Já do lado de fora, várias camadas de queratina (uma proteína presente nas unhas e cabelos) garantem a rigidez do bico.
 
Além disso, a espuma rígida presente no interior do bico do tucano é uma importante estrutura de absorção de impactos. Segundo o engenheiro, seu design pode ser aproveitado como molde para sistemas de proteção para motoristas e passageiros. “É como se o tucano tivesse um profundo conhecimento de engenharia mecânica”, brinca.
 
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As imagens feitas ao microscópio eletrônico revelam as estruturas responsáveis pela dureza e leveza do bico do tucano. A imagem A mostra as camadas de queratina que revestem o bico;
a imagem B mostra as fibras ósseas de seu interior (fotos: UCSD).

O segredo da resistência da estrutura está na combinação da espuma interna e da concha rígida – e é isso, segundo o pesquisador, que deve ser explorado pelas indústrias. “Essa integração é fundamental para a otimização do material e deve ser utilizada nos meios de transporte daqui a 50, 100 anos”, aposta.

 
De acordo com Meyers, a indústria de transportes busca cada vez mais materiais extremamente leves que possam substituir as pesadas chapas de aço, utilizadas atualmente. Essa substituição representaria uma grande economia de energia, sem prejudicar a resistência dos veículos.
 

O interesse de Meyers por tucanos vem do tempo em que ainda morava no Brasil. Quando adolescente, estava passeando com o pai em uma mata e encontrou o esqueleto de um tucano. “Peguei o bico dele e percebi que era como uma pluma”, conta. “Aquilo atiçou minha curiosidade e 40 anos depois resolvi estudar.”


Júlio Molica
Ciência Hoje On-line
09/12/2005