Negócio da China?

Uma prática adotada por criadores de porcos na China para estimular o crescimento dos animais e prevenir infecções pode não ser um negócio tão vantajoso. Estudo publicado na revista PNAS mostra que a aplicação descontrolada de antibióticos em porcos saudáveis leva à disseminação no ambiente de genes capazes de tornar bactérias resistentes a esses medicamentos.

Segundo a pesquisa, o uso de antibióticos nos porcos permitiu, em longo prazo, a sobrevivência de bactérias que sofreram mutações aleatórias e se tornaram resistentes aos medicamentos. Liberadas nas fezes, essas bactérias atingem solos e rios e podem transferir os genes de resistência a microrganismos causadores de doenças em humanos.

A China é o maior produtor mundial de antibióticos e metade de sua produção anual é destinada à criação de animais

A China é o maior produtor mundial de antibióticos e metade de sua produção anual é destinada à criação de animais. Segundo o coautor do estudo Yong-Guan Zhu, agrônomo da Academia Chinesa de Ciências, o maior problema está na ausência de fiscalização da prática. “Como não há monitoramento, os criadores administram grande quantidade de antibióticos para os animais”, diz.

Ao analisar fezes de porcos criados em três fazendas chinesas e o solo adubado por elas, os pesquisadores encontraram 149 genes de resistência a antibióticos. Alguns genes eram 28 mil vezes mais frequentes nas fezes de porcos tratados com antibióticos do que nas de porcos que não receberam os medicamentos.

O material genético encontrado é tão diverso que permite que as bactérias se tornem resistentes à maioria das classes de antibióticos. As fazendas analisadas localizam-se em três regiões da China e geram, em média, 10 mil porcos por ano.

Dos porcos para os humanos

O surgimento de bactérias mais resistentes pode gerar prejuízos para os criadores de porcos, já que, caso seus animais sejam infectados por elas, precisarão de antibióticos mais potentes. Mas o maior problema é a possibilidade de transferência dos genes dessas bactérias para microrganismos que provocam doenças em humanos. “Os genes de resistência se espalham facilmente e, caso entrem em contato com uma bactéria que causa doenças em humanos, podem torná-la resistente”, afirma Zhu.

“Os genes de resistência se espalham facilmente e, caso entrem em contato com uma bactéria que causa doenças em humanos, podem torná-la resistente”

A preocupação com a mobilidade dos genes aumentou quando a equipe encontrou a enzima transposase nas fezes e no solo adubado. Zhu explica que a transposase facilita o espalhamento dos genes de resistência entre os microrganismos. “Quando comparadas a fezes de porcos não tratados com antibióticos, as fezes dos porcos estudados apresentavam 90 mil vezes mais transposase”, conta.

Outro agravante é a presença de metais nas fezes dos porcos e no solo. Os pesquisadores encontraram grande quantidade de zinco, cobre e arsênio, metais tóxicos para as bactérias e usados como aditivo alimentar para estimular o crescimento dos porcos. “Assim como os antibióticos, os metais estimulam a seleção de bactérias resistentes, aumentando o surgimento de genes de resistência”, explica.

Zhu alerta que a dispersão dos genes de resistência pode atingir níveis globais. Bactérias resistentes podem se espalhar por meio de rios, do ar e de produtos agrícolas como a terra adubada. “Caso não sejam tomadas medidas para fiscalizar o uso de antibióticos nesse setor, a disseminação será inevitável”, adiciona.

Mariana Rocha
Ciência Hoje On-line