A detecção de neurônios com número alterado de cromossomos (aneuplóides) em pessoas sem indícios de distúrbios cerebrais revelou que o cérebro é bem mais complexo do que se imaginava. O estudo, realizado pela equipe do pesquisador brasileiro Stevens Kastrup Rehen no Instituto de Pesquisa Scripps, na Califórnia (EUA), foi publicado com destaque na edição de março do Journal of Neuroscience .
A imagem retrata o núcleo de um neurônio humano (corado em azul). Os pontos vermelhos indicam sondas fluorescentes que, combinadas com as sondas em verde, identificam cada cópia do cromossomo 21 (foto: Stevens Rehen)
A descoberta dos neurônios alterados poderá desvendar o motivo pelo qual essas células são tão distintas entre si, além de contribuir para a compreensão de diferenças de comportamento e de suscetibilidade a doenças como mal de Alzheimer, esquizofrenia e autismo.
Essa alteração havia sido verificada anteriormente apenas em indivíduos portadores de anomalias genéticas como a síndrome de Down. Pensava-se, até então, que seres humanos sadios apresentavam todas as células do organismo ‐ exceto os gametas ‐ com 23 pares de cromossomos.
O cientista brasileiro é o primeiro a descrever a alteração em células do cérebro humano normal. Em 2001, ele identificou neurônios aneuplóides em camundongos. Antes, o estudo da aneuploidia era apenas voltado para casos de tumores.
Para o estudo recém-publicado, foram recolhidas amostras de cérebros de seis indivíduos normais recém-falecidos, com idade entre dois e 86 anos. Em cada amostra, cerca de mil neurônios foram submetidos a sondas fluorescentes capazes de destacar o cromossomo 21. Células com uma, três ou até quatro cópias dele foram observadas em todos os cérebros examinados.
Nos casos em que uma única cópia do cromossomo 21 foi identificada, a equipe tem uma interpretação possível. “Cada célula tem duas cópias de cada autossomo e normalmente os genes de uma das cópias estão inativos”, explica Rehen. “É possível que a perda de um cromossomo signifique uma nova forma de inativação e controle da expressão gênica global.”
Já nos indivíduos que possuem neurônios com mais de duas cópias do cromossomo 21, a equipe acredita que o fenômeno esteja vinculado a uma maior propensão ao mal de Alzheimer. Esse cromossomo abriga o gene APP, envolvido na produção das chamadas placas amilóides, cuja ocorrência no cérebro caracteriza a doença de Alzheimer.
Essa hipótese ganha força se considerarmos que todos os portadores da síndrome de Down, sem exceção, apresentam três cópias do cromossomo 21 em todas as células de seu corpo, e sempre desenvolvem o mal de Alzheimer por volta dos 40 anos de idade.
No entanto, Rehen esclarece que, para que se confirme a relação entre aneuploidia e mal de Alzheimer, novas investigações são necessárias. A equipe do brasileiro no Instituto Scripps pretende continuar estudando a aneuploidia em células humanas: o próximo passo será investigar se o fenômeno ocorre também em células da pele ‐ que têm a mesma origem embrionária dos neurônios. O grupo já desenvolveu também sondas para examinar se a aneuploidia se manifesta nos cromossomos 1 e 14, também relacionados ao mal de Alzheimer.
Esses resultados são importantes também para o estudo das células-tronco. Após cinco anos vivendo nos EUA, o biólogo deve retornar ao Brasil em junho para liderar um grupo de pesquisa na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cujo principal objetivo será entender o processo de perda e ganho de cromossomos nas células embrionárias humanas.
Lia Brum
Ciência Hoje On-line
06/04/05