No sangue do pirarucu

O pirarucu, peixe que pode atingir 200 quilos e três metros de comprimento, é vítima da pesca predatória em toda a bacia amazônica. Ele está na lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção elaborada pela União Internacional para Conservação da Natureza (fotos: Jesús Nuñez/ IRD).

A reprodução em cativeiro do pirarucu (Arapaima gigas), um dos maiores peixes de água doce do mundo, esbarra em um obstáculo: a dificuldade de distinguir machos de fêmeas. Esse problema agora pode ser superado com o uso de um novo método que identifica o sexo do animal por meio de uma simples coleta de sangue e da análise de hormônios e proteínas específicos. A iniciativa vai contribuir com a preservação desse peixe amazônico que tem grande valor comercial e está ameaçado pela pesca predatória.

A única diferença física entre machos e fêmeas de pirarucu é sutil e temporária. Normalmente, a faixa laranja que percorre o corpo do peixe se estende até a cabeça do animal. Mas, nas fêmeas em período reprodutivo, essa faixa colorida é interropida.

O novo método foi desenvolvido por uma equipe do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD, na sigla em francês), na França, em parceria com o Instituto de Investigações da Amazônia Peruana (Peru). Ele permite identificar o sexo do pirarucu por meio da análise dos níveis de dois hormônios relacionados à sexualidade: o estradiol – mais concentrado na fêmea – e a quetotestosterona – presente no macho.

Outra possibilidade é verificar a presença de uma proteína sintetizada somente pelas fêmeas adultas, chamada vitelogenina. “Ela surge na idade reprodutiva, entre três ou quatro anos, e é responsável pela produção do vitelo, a reserva alimentar do embrião”, explica um dos autores da pesquisa, o bioquímico peruano Jesús Nuñez, do IRD.

Em testes realizados com 29 pirarucus adultos, a análise dos hormônios e a detecção da proteína para determinar o sexo dos animais tiveram eficiência de 95% e 100%, respectivamente. Nuñez diz que o método pode ser usado em outros peixes que não exibam diferenças físicas entre os sexos, como os aruanãs-prateados (Osteoglossum bicirrhosum), encontrados na América do Sul.

Alta eficácia e baixo custo

A única diferença física visível entre machos e fêmeas de pirarucu ocorre em seu período reprodutivo: nos machos (acima), a faixa laranja que percorre o corpo do peixe permanece prolongada até a cabeça do animal, enquanto nas fêmeas (abaixo) ela é interrompida.

Segundo Nuñez, o método que verifica a presença de vitelogenina no sangue é mais barato e ainda revela os resultados em até 24 horas. Já os hormônios levam três dias para serem retirados do plasma sanguíneo do pirarucu. “Além disso, nossa equipe desenvolveu reagentes para identificar a vitelogenina, reduzindo em até dez vezes os gastos com esses compostos químicos”, conta o pesquisador.

Além da precisão, as duas abordagens apresentam vantagens tanto para os peixes quanto para seus criadores. A técnica não agride o pirarucu e pode ser usada durante todo o ano, já que os hormônios circulam constantemente na corrente sanguínea. Nuñez diz que até a vitelogenina pode ser sempre encontrada nas fêmeas, mesmo fora do período reprodutivo, embora em menores quantidades.

Atualmente, os criadores aguardam a formação espontânea de casais de peixes em grandes tanques. Porém, os primeiros casais expulsam outros pirarucus de seu território, o que torna rara a ocorrência de mais de uma reprodução por viveiro – que tem, em média, 500 m². Com o novo método, os criadores poderão colocar o mesmo número de machos e fêmeas em um único viveiro, atingindo assim elevadas taxas de reprodução.

Além de aperfeiçoar a criação de pirarucus em cativeiro, o método, descrito na revista Fish Physiology and Biochemistry, vai facilitar o acompanhamento das populações selvagens do peixe. Nuñez espera que o aumento da reprodução do pirarucu crie novas oportunidades comerciais para os países em que a espécie ocorre, como Brasil, Colômbia e Peru.

Juliana Marques
Ciência Hoje On-line
22/01/2009