Notícias sob controle

A maneira mais rápida de trocar informações com pessoas de qualquer parte do planeta. Fonte infinita de conhecimento sobre os mais variados temas. Assim foi definida a internet quando, em meados dos anos 80, deixou de ser restrita aos escritórios e ganhou espaço nos lares norte-americanos. Mas, ao contrário do que se pensava, o surgimento da internet não representou a democratização do acesso às notícias, pois a divulgação dos acontecimentos mundiais hoje ainda é controlada por grandes agências internacionais, como mostra pesquisa realizada na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). 

O noticiário internacional no Brasil é orientado pelas agências de notícias, que acabam por decidir o que merece ou não ser divulgado. Na imagem, página na internet da agência Reuters, da Inglaterra.

Segundo a jornalista Maria José Baldessar, que desenvolveu o estudo em sua tese de doutorado, são as agências de notícias, como a Reuters, da Inglaterra, e a EFE, da Espanha, que decidem quais fatos merecem ser divulgados. “Enquanto alguns países recebem atenção freqüente da mídia, ora por força de sua economia, como é o caso dos Estados Unidos, ora por força de conflitos étnicos, como ocorre com os países do Oriente Médio, outros quase não são noticiados, como Portugal e nações da África”, comenta. Durante a pesquisa, realizada entre 2004 e 2006, Baldessar analisou as notícias divulgadas pelas agências em três meses não consecutivos e como os jornais brasileiros aproveitavam essas sugestões.

As matérias que circularam nos períodos analisados raramente se mostraram mais aprofundadas que os textos distribuídos pelas agências. Para Baldessar, os jornais passaram a exercer somente o papel de divulgador, selecionando o que possivelmente irá interessar mais ao seu público. “Não há mais, no jornalismo atual, o hábito de se procurar o que é notícia diretamente na rua, como acontecia antigamente”, diz a pesquisadora. Mas ela não acha que isso seja reflexo de uma possível acomodação por parte dos jornalistas, que encontram na internet e nas agências de notícias uma fonte muito mais rápida de informação. “A principal razão para isso é o próprio sistema atual, que cobra do profissional maior rapidez e produtividade”, justifica.

Segundo Baldessar, é a agenda mundial que orienta as reportagens publicadas. Atualmente, os jornais divulgam mais notícias que envolvem os Estados Unidos, maior potência econômica do planeta, e a China, que se apresenta como forte candidata ao posto de ‘país do futuro’, do que qualquer outra nação. Matérias sobre o nascimento de um filhote de panda e sobre a descoberta do maior homem do mundo ganharam destaque nos jornais, não por força própria, mas devido ao lugar de onde vieram. Enquanto isso, poucas são as notícias sobre as guerras civis que, há anos, matam milhares de pessoas na África.

Até países com fortes laços culturais e históricos com o Brasil são deixados de lado pelos jornais. “Excluindo-se fatos isolados, como as manifestações populares que ocorreram no último ano e as eleições, pouco se fala sobre a França, por exemplo”, diz Baldessar. E prossegue: “Mesmo Portugal, que tem uma forte ligação histórica com nosso país, só teve três notícias divulgadas: uma sobre a série de incêndios que ocorreram na região e outras duas sobre tráfico de drogas, prostituição e imigração ilegal.”

Ilha de boas notícias
Alheia à agenda mundial, que diz o que é notícia ou não, a página na internet Happy News traz um pouco de alívio para leitores e jornalistas cansados de noticiar tragédias. Todas as matérias são baseadas em notícias boas. Nada de atentados, governos corruptos e catástrofes. Quem apostava no fracasso do empreendimento, se enganou: a página recebe diariamente 200 mil visitantes. É uma prova de que notícias boas também geram interesse.

Embora sejam poucas, ainda existem exceções à situação atual. Casos como o da página norte-americana na internet Happy News , que só divulga boas notícias, e da rede de TV árabe Al Jazira tornam-se fontes alternativas de comunicação. “Por mais que o caso da Al Jazira , por exemplo, também seja excludente, pois enfoca somente o que se passa na região, é louvável, pois foge aos padrões das agências de notícias atuais”, argumenta jornalista. A pesquisadora cita um fato recente que fundamenta suas observações: “No dia da morte do Papa João Paulo II, enquanto todos os veículos de comunicação destacavam o acontecimento, a página da TV árabe na internet reservou apenas uma nota para a notícia.”

Para Baldessar, não há previsão de mudanças em um futuro próximo. Segundo ela, seria preciso uma mudança radical no sistema. “A internet proporciona uma série de novas possibilidades de divulgação, mas elas não são aproveitadas; as notícias ficam concentradas nas mãos de poucos, o que faz com que muitos sejam excluídos”, lamenta. E conclui: “As pessoas também estão interessadas em outras notícias. Isso obriga os jornalistas a buscar alternativas para satisfazer essa necessidade.” 

João Gabriel Rodrigues
Ciência Hoje On-line
21/08/2007