Nova hipótese explica misterioso monstro marinho

Ilustrações do monstro marinho avistado em 1734 na costa da Groenlândia. Os desenhos são detalhes de um mapa feito em 1741 pelo missionário dinamarquês Hans Egede.

Costa oeste da Groenlândia, julho de 1734. Os tripulantes de um barco dinamarquês avistam um animal marinho assustador, descrito mais tarde como “o mais pavoroso dos monstros”. Ele logo passou a figurar na galeria das lendárias criaturas aquáticas de identidade misteriosa. Tentativas anteriores de explicar essa aparição haviam proposto que podia se tratar de um polvo, uma foca ou lontra gigante. Uma hipótese mais plausível acaba de ser levantada: o “monstro” em questão talvez fosse apenas uma baleia pouco comum naquela região, com um curioso detalhe: o cetáceo estaria excitado, e a “longa cauda” descrita no século 18 seria seu pênis.
 
A explicação foi proposta pela equipe do biólogo marinho Charles Paxton, da Universidade de Saint-Andrews, na Escócia. As interpretações anteriores do monstro se baseavam apenas na tradução de um relato do missionário dinamarquês Hans Egede, conhecido como “o Apóstolo da Groenlândia”. Ele não foi, porém, uma testemunha ocular da criatura: quem a avistou foi seu filho Poul. Em artigo a ser publicado na revista Archives of Natural History , a equipe de Paxton analisa novas fontes ‐ inclusive dois relatos originais do próprio Poul ‐ para explicar a identidade do monstro.
 
Um dos relatos de Poul Egede, em tradução livre a partir da versão em inglês, assim descreve a “horrível criatura do mar”: “Ela tinha um focinho longo e pontiagudo e bufava como uma baleia, tinha barbatanas longas e largas e seu corpo parecia coberto por uma carapaça e sua pele era muito enrugada e áspera; ela era definida de forma diferente na parte inferior, como uma serpente, e, quando submergiu novamente, jogou-se para trás e ergueu sua cauda sobre a água […]”.
 
Após analisar os relatos e ilustrações disponíveis da misteriosa criatura, os pesquisadores constataram que a maior parte das características descritas se aplicava a cetáceos conhecidos. Eles elaboraram então um quadro para comparar o monstro com oito espécies de cetáceos que podiam ser encontradas no Atlântico Norte no século 18. A análise reduziu a três a lista de “candidatos a monstro”.
 

“O animal visto era provavelmente uma baleia jubarte ( Megaptera novaeangliae), uma baleia-franca do Atlântico Norte ( Eubalaena glacialis) ou uma das últimas remanescentes no Atlântico da baleia-cinzenta ( Eschrichtius robustus)”, afirma o artigo. Segundo a equipe, o fato de tanto Hans quanto Poul Egede conhecerem bem algumas baleias não invalida essa hipótese: as espécies consideradas ‐ a baleia-cinzenta especialmente ‐ não seriam muito comuns nas águas do Atlântico Norte na época considerada.

Restava explicar a misteriosa cauda que o animal exibiu ao submergir. Segundo os pesquisadores, poderia se tratar do pênis de um macho empolgado. O membro, que pode atingir 1,8 metro na E. glacialis , seria visível da embarcação caso a baleia estivesse excitada e tivesse seu ventre voltado para cima ‐ e poderia, portanto, ser confundido com uma cauda. Mas os pesquisadores encaram sua interpretação com cautela: “Em última análise, nunca saberemos ao certo de que espécie se tratava”, concluem no artigo.

O monstro de 1734 é mais uma criatura misteriosa que a ciência ajuda a entender. O estudo desses casos é uma das especialidades de Charles Paxton, que usa seus conhecimentos de biólogo marinho para investigar relatos de animais desconhecidos. Clique aqui para ler uma entrevista de Paxton à CH On-line, na qual são abordados temas como o monstro do lago Ness e o prêmio Ig Nobel que ele ganhou em 2002.

Bernardo Esteves

Ciência Hoje On-line

11/04/05