Novos horizontes para a clonagem

 

Uma nova técnica de clonagem testada em ratos deve aumentar as fontes de células-tronco para pesquisas e promete diminuir as barreiras éticas atualmente encontradas por esse tipo de estudo. Apresentado por uma equipe da Universidade de Harvard (Estados Unidos) na revista Nature desta semana – junto com uma série de artigos sobre o tema –, o método consiste na transferência dos cromossomos da célula doadora para um óvulo fertilizado nos primeiros estágios de desenvolvimento e permite o uso de embriões incapazes de gerar indivíduos. Na técnica convencional, todo o núcleo celular era transferido e acreditava-se que apenas óvulos não fertilizados poderiam receber com sucesso o material genético.

Transferência de cromossomos (marcados em azul) de células-tronco embrionárias para um zigoto cuja mitose foi interrompida (acima) e a posterior continuação do processo de divisão celular (abaixo). (Fotos: Nature ).

O geneticista Kevin Eggan e sua equipe partiram do princípio de que as tentativas prévias de transferência de material genético para zigotos (célula formada pela fusão dos gametas masculino e feminino) falharam porque, no processo de remoção do núcleo (necessário para que a célula possa receber novo material genético), os fatores de ativação essenciais para a reprogramação e o desenvolvimento dos embriões também são retirados. Assim, eles desenvolveram um método para remover apenas os cromossomos da célula: a retirada do fuso celular, estrutura que fixa e orienta os cromossomos durante a divisão celular (mitose).

Usando esse método, os cientistas fizeram uma série de experimentos em ratos para comparar a eficiência da remoção do fuso na mitose e na intérfase (período entre as divisões celulares). A introdução de cromossomos de outros zigotos, de embriões com duas e oito células ou de células-tronco embrionárias em zigotos na mitose (zigotos mitóticos) foi a situação que gerou com maior eficiência embriões que se desenvolveram, chegando inclusive à fase adulta. “Isso sugere que a habilidade do citoplasma de dar suporte à reprogramação flutua de acordo com o ciclo da célula. O mais provável é que, durante a mitose e a meiose, os fatores de ativação fiquem dispersos no citoplasma, permitindo que os cromossomos sejam removidos sem comprometer a atividade desses fatores, ao contrário do que acontece na intérfase”, afirmam no artigo.

Clone de um rato macho (à direita), obtido a partir da transferência de cromossomos de células somáticas (que não geram gametas), e sua prole (à esquerda).

Os cientistas ainda testaram a eficiência de zigotos mitóticos para gerar linhagens de células-tronco e animais adultos quando recebem cromossomos de células da pele, os fibroblastos. Cinco de dez ratos nascidos dessa forma eram clones. Os resultados representam um avanço para a obtenção de células-tronco feitas sob medida para cada paciente. Após todos os experimentos, os pesquisadores concluíram que a fertilização normal – e não a indução da divisão celular, como ocorre na técnica convencional de clonagem – aumenta a habilidade do citoplasma do zigoto recipiente de dar suporte ao desenvolvimento de embriões.

Dois outros artigos publicados no pacote da Nature e uma pesquisa divulgada na primeira edição da revista Cell Stem Cells , lançada pelo grupo Cell esta semana, colocam em destaque a obtenção de células-tronco e de animais adultos clonados a partir de fibroblastos. Os três estudos usam experimentos com células da pele de ratos para destacar a importância dos fatores de reprogramação e desenvolvimento da célula. Os grupos, do Instituto Whitehead para Pesquisa Biomédica (Estados Unidos), da Universidade de Kyoto (Japão) e do Hospital Geral de Massachusetts (Estados Unidos), respectivamente, também conseguiram obter proles de clones a partir da reprogramação de fibroblastos, usando a técnica convencional de clonagem.

Avanço no uso de embriões anormais
Um dos resultados apresentados pela equipe da Universidade de Harvard no artigo principal da Nature promete ter grande impacto nas pesquisas com células-tronco: a possibilidade de usar embriões com número de cromossomos anormal (aneuplóides). O grupo de Eggan fez com que dois espermatozóides fecundassem um óvulo, gerando um embrião com três conjuntos de cromossomos. Esse tipo de embrião nunca se desenvolve normalmente depois de implantado no útero. Porém, ele foi usado com sucesso como recipiente para o material genético de células-tronco embrionárias: gerou um embrião que se desenvolveu normalmente e poderia dar origem a linhagens dessas células.

O uso de um zigoto com número anormal de cromossomos (A) como receptor do material genético de outra célula também gerou clones em diferentes estágios de desenvolvimento embrionário (B, C, D).

 

Em artigo a ser publicado na edição on-line da Nature

, os pesquisadores ressaltam que os zigotos aneuplóides representam de 3 a 5% de todos os embriões nas clínicas de fertilização e são descartados por serem totalmente incapazes de gerar uma criança. Seu uso, portanto, pode significar um grande avanço, pois não teria as implicações éticas da utilização de óvulos fecundados.

Mariana Ferraz
Especial para Ciência Hoje On-line
06/06/2007