O sentido do olfato revelou-se um meio eficaz para o diagnóstico precoce do mal de Parkinson, doença neurodegenerativa que atinge 1% da população mundial. A conclusão veio de um estudo realizado por pesquisadores do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que confirmaram que a redução da sensibilidade olfativa e a perda de habilidades cognitivas antecedem os sintomas motores clássicos da doença.
A perda do olfato é um dos primeiros sintomas do mal de Parkinson. Os prejuízos olfatórios estão associados à perda dos neurônios dopaminérgicos, característica da doença. Esses neurônios produzem a dopamina, substância neurotransmissora de impulsos relacionados com os movimentos musculares.
A bomba de infusão permite determinar com segurança a administração da neurotoxina experimental MPTP em ratos de laboratório, por via intranasal (arte: Fábio Amorim Vieira).
Para estudar esse processo experimentalmente, o grupo da UFSC trabalhou com uma neurotoxina conhecida pela sigla MPTP, substância que também provoca a morte dos neurônios produtores de dopamina. A pesquisa foi feita com o uso de ratos de laboratório – investigações com humanos e outros primatas são mais difíceis de serem realizadas em virtude de questões éticas.
Introduzida por via intranasal, a neurotoxina MPTP induziu nos roedores alterações comportamentais e neuroquímicas semelhantes às notadas em portadores de Parkinson. Prejuízo olfativo foi a primeira alteração percebida nos animais. “Os procedimentos adotados permitiram uma análise mais precisa dos estágios da doença e a descoberta de novos sintomas”, disse o farmacologista Rui Daniel Prediger, um dos integrantes do grupo de pesquisa da UFSC.
“No futuro, após aprimoramento do estudo, testes periódicos de olfato, que são simples e baratos, deverão ser aplicados em pessoas a partir de 50 anos com a finalidade de diagnosticar a doença precocemente”, aposta Prediger. Juntamente com esse teste, serão feitos outros para descartar resultados equivocados (falsos positivos), já que existem fatores de risco para alterações olfativas, como envelhecimento, tabagismo e alergias respiratórias.
O teste
Para investigar o olfato dos animais, os pesquisadores usaram uma caixa de madeira dividida em dois compartimentos separados por uma porta. Em um, puseram serragem nova, sem cheiro, com a qual nunca tinham tido contado; no outro, colocaram serragem familiar aos animais, impregnada com seu próprio odor. Os ratos que não receberam MPTP ficaram muito mais tempo no ambiente ‘familiar’, enquanto aqueles com prejuízo olfativo permaneceram igual período de tempo nos dois compartimentos, mostrando-se incapazes de diferenciá-los.
Substância negra (área do cérebro afetada na doença de Parkinson) de ratos normais (no alto, à esquerda) e de ratos que receberam doses da neurotoxina MPTP (à direita). Nas fotos de baixo, vê-se a imagem computadorizada de parte do cérebro de um indivíduo normal (esq.) e de outro acometido pelo mal de Parkinson (dir.). Fotos: Rui Daniel S. Prediger.
Logo após o primeiro dia de aplicação da toxina, os animais já apresentavam danos olfativos. Semelhante ao observado na condição clínica, os ratos que receberam MPTP só desenvolveram problemas motores tardiamente, três semanas após a administração da toxina. O teste, desenvolvido por Prediger durante seu doutorado, realizado na UFSC, é empregado atualmente em laboratórios de pesquisa da Alemanha e dos Estados Unidos.
Além da eficiência do modelo experimental desenvolvido para pesquisar o mal de Parkinson, outro diferencial inovador do estudo catarinense é a constatação de que a doença pode ser causada por uma toxina ou um agente químico presente no meio ambiente que alcançaria o organismo a partir da cavidade nasal.
“A incidência de Parkinson pode aumentar em indivíduos expostos a agrotóxicos ou a metais pesados como alumínio e manganês”, afirma o farmacologista. Não se sabe ao certo qual a causa principal da doença; sabe-se apenas que 10% dos casos são de origem genética.
A doença
Os números impressionam. Cerca de 66 milhões de pessoas são acometidas pelo mal de Parkinson no mundo, o equivalente a 20 vezes a população do Uruguai ou à soma das populações da Espanha, Suécia e Portugal. No Brasil há aproximadamente 400 mil parkinsonianos por volta dos 55 anos.
A doença de Parkinson só é diagnosticada quando cerca de 60% dos neurônios que produzem dopamina estão degenerados e os níveis da substância ficam reduzidos a 20%. É uma doença com progressão bem mais lenta se comparada com o mal de Alzheimer, podendo ficar até oito anos ‘em silêncio’.
O fato de o processo neurodegenerativo já estar bastante avançado quando o diagnóstico é feito com base nos sintomas motores pode ser um dos responsáveis pela falta de efetividade clínica dos diversos tratamentos usados para combater a doença. Portanto, a identificação dos pacientes nos estágios iniciais da doença parece essencial para o sucesso de qualquer terapia e meta médico-social.
Luan Galani
Especial para a CH On-line / PR
05/09/2008