No tapaculo-preto (no alto), as listras marrons do flanco desaparecem quando o animal se torna adulto; mas elas se mantêm no tapaculo-ferreirinho (arte: Rafael Dias).
Uma nova espécie de pássaro, o tapaculo-ferreirinho ( Scytalopus pachecoi ), vem ampliar a já extensa lista de aves do Brasil, terceiro país mais rico do mundo em número de espécies desses animais (atrás apenas de Colômbia e Peru). Segundo o biólogo que a descobriu, Giovanni Maurício, do Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS, até então os especialistas confundiam o tapaculo-ferreirinho com o tapaculo-preto ( Scytalopus speluncae ), que vive em áreas montanhosas da mata atlântica, do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul. A nova espécie habita regiões altas do norte e nordeste do Rio Grande do Sul e do sudeste de Santa Catarina, podendo ser encontrada também na província argentina de Misiones.
No gênero Scytalopus , indivíduos jovens de todas as espécies apresentam listras marrons nos flancos. No tapaculo-preto, por exemplo, com o tempo essas faixas desaparecem, deixando os flancos cinza-escuros ou quase pretos. O biólogo supõe que os especialistas não perceberam a nova espécie, imaginando estarem sempre diante de indivíduos jovens. “Mas é praticamente impossível uma população não apresentar indivíduos adultos”, diz.
Maurício começou a ‘suspeitar’ da espécie em 1994 quando observava pássaros na serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul. Ele percebeu que a plumagem dos flancos de todos os indivíduos observados tinha riscos pretos e marrons. Esse detalhe crucial o levou a supor que estava diante de espécies distintas. Mas o que era apenas suspeita só ganhou caráter científico após a defesa de sua dissertação de mestrado na PUCRS.
Além da plumagem, o canto da nova espécie também intrigou o biólogo. Segundo ele, o tapaculo-preto tem um
canto de andamento rápido (
clique para ouvir – formato MP3, 158 KB). “Como se fizesse ‘tip-tip-tip-tip’, bem rapidinho”, explica. “Já o novo pássaro tem um
canto mais lento , com tips mais espaçados” (
clique para ouvir – formato MP3, 158 KB). Ele identificou ainda um outro padrão sonoro emitido pela nova espécie, que começa com tips lentos que depois se aceleram, parecido com o canto da cigarra. Maurício notou também que o som produzido por
S. pachecoi tem uma tonalidade metálica, característica que valeu ao animal o apelido de ‘ferreirinho’.
O nome científico Scytalopus pachecoi (uma homenagem ao pesquisador José Fernando Pacheco, que colaborou com as pesquisas de Maurício) já foi reconhecido pelo Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos e está sendo analisado pelo South American Classification Committee, que cataloga aves sul-americanas.
O tapaculo-ferreirinho habita regiões elevadas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Argentina (foto: Glayson Bencke).
Após apresentar a nova espécie à comunidade científica, Maurício teve o apoio da genética para confirmar suas observações. De acordo com a veterinária Helena Mata, que estudou as características genéticas das duas espécies em sua dissertação de mestrado, defendida na PUCRS, há entre uma e outra uma diferença de 11%, o que equivale a seis milhões de anos de evolução em hábitats separados.
Na verdade, a nova espécie se aproxima mais de S. novacapitalis (que vive na região de Brasília), com a qual tem um ancestral comum. “Esses pássaros devem ter vivido juntos em uma época mais fria”, supõe o biólogo. “Com o aumento da temperatura, alguns migraram para ambientes mais frios e úmidos, como o topo de montanhas, dando origem a espécies distintas.”
População reduzida
O gênero Scytalopus é endêmico da América Latina e reúne 40 espécies. A maior parte habita a Cordilheira dos Andes; seis ocorrem no Brasil. O tapaculo-ferreirinho se restringe a regiões do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Argentina. Segundo Maurício, essas populações estão separadas há milhares de anos e vêm se diferenciando. Por isso, diz ele, não é improvável que, mesmo na população de S. pachecoi , haja diferenças que permitam identificar novas espécies no futuro.
Mas o biólogo prevê que muitas dessas descobertas poderão não acontecer devido à destruição de hábitats, um fator que exerce forte influência na extinção de espécies. A população de tapaculo-ferreirinho de fragmentos de mata atlântica na serra do Sudeste (entre os municípios de Pelotas, São Lourenço do Sul e Canguçu), por exemplo, sofre com o crescimento da cultura de fumo na região. Há pouco descoberto, o animal que vive nessa área pode não resistir ao desmatamento e às constantes queimadas de madeira.
Murilo Alves Pereira
Especial para a CH On-line / PR
24/04/2006