O crime organizado invade a academia

O crescimento da violência no Brasil é resultado em grande parte da disseminação do crime organizado, associado especialmente ao tráfico de drogas. Para entender essa questão, o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) preparou um dossiê sobre o tema, escrito por 14 especialistas de diversos setores da sociedade que abordam vários aspectos da criminalidade no país.

O dossiê é parte da 61ª edição da revista Estudos Avançados e foi lançado em função da relevância do tema. “Diariamente são divulgadas graves ocorrências praticadas por grupos de criminosos, por isso, amplia-se na opinião pública o sentimento de insegurança das pessoas”, justifica Marco Antônio Coelho, editor-executivo da revista. Coelho destaca que a publicação não se limitou ao caráter acadêmico. “Foi indispensável ouvir o preso, a pastoral carcerária, o delegado de polícia, o advogado etc”.

O ensaio que abre o dossiê, escrito pelos sociólogos Sergio Adorno e Fernando Salla, discute os ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), no Estado de São Paulo, em maio de 2006, que resultaram em inúmeras mortes e paralisaram várias cidades paulistas. Para entender como as ondas de ataques foram possíveis, os autores analisam o crescimento do crime e da violência no Brasil nas últimas três décadas, as rebeliões que ocorreram em grandes centros urbanos, o perfil da criminalidade brasileira e o papel das políticas públicas penitenciárias, entre outros aspectos.

“Nada disto teria prosperado se, ao lado do poder público, as autoridades penitenciárias não tivessem hesitado, com freqüência, em coibir com rigor os ilegalismos praticados pelas lideranças e o crescente prestígio e poder adquirido entre os presos e entre os criminosos em liberdade”, afirmam os autores.

Complexidade insuspeita
Já o cientista político Guaracy Mingardi, vinculado ao Ministério Público do Estado de São Paulo, destaca em outro artigo a complexidade das organizações criminosas, que seriam muito mais intrincadas do que o Estado imagina. “Não se trata de uma guerra combatendo um inimigo identificável, mas de repressão às atividades criminosas”.

Segundo Mingardi, essas organizações possuem lideranças fluidas, “que são muito adaptáveis e estão de tão forma relacionadas com o aparelho de Estado, que se torna difícil mirar um sem acertar o outro”. No entanto, o especialista lembra também que nem tudo o que a imprensa chama de crime organizado é tão organizado assim. “Mesmo o tráfico de drogas, muitas vezes, é extremamente desorganizado”.

O especialista discute as formas de utilizar a inteligência policial no combate ao crime organizado e mostra como essa atividade especializada não teve sucesso nos ataques do PCC por conseqüência da falta de estrutura nas análises das informações.

Outro destaque do dossiê é a reprodução de uma entrevista com o líder do PCC. Marcos Willians Herbas Camacho, também conhecido por Marcola, foi ouvido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara do Deputados, no presídio de Presidente Prudente (SP), logo após as rebeliões nas prisões, os atentados e ações violentas nas cidades paulistas.

Durante a entrevista, Marcola confirma o uso de telefones celulares para a comunicação entre os presos e a existência de organizações dos presos que ultrapassam as fronteiras do presídio. Sobre a criação de política para ressocializar o preso, disse: ”desculpe, mas o senhor não acha que, quando são feitas as leis de repressão (…) não se deveria fazer leis destinadas a ressocializar os presos? Por que vocês têm a opção de reprimir e não têm a opção de ressocializar? (…) Cadê o interesse nisso, não dá voto?”.

Agenda de pesquisa
O foco do dossiê também foi tema do Seminário Internacional sobre o Crime Organizado, promovido na semana passada pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP. Entre seus objetivos, estava a discussão de uma agenda de pesquisa para se preencherem as lacunas no conhecimento desse assunto.

Segundo Sérgio Adorno, coordenador do NEV e organizador do evento, o seminário levou a duas conclusões principais. “Por um lado, não há consenso sobre o conceito de crime organizado; além disso, as questões de método e fontes de informação para o estudo do crime ainda apresentam problemas epistemológicos”, resume. 

Leia também: A pesquisa na linha de fogo

Dossiê Crime Organizado
Revista Estudos Avançados – Volume 21 – Número 61
São Paulo, 2007, Instituto de Estudos Avançados / USP 
236 páginas – R$ 30,00
Lançamento: 12 de dezembro, às 15h, na sede do IEA/USP
Av. Prof. Luciano Gualberto, trav. J, 374 – Cidade Universitária – São Paulo.
O conteúdo da revista Estudos Avançados também está
disponível na biblioteca on-line SciELO: www.scielo.br

Maristela Garmes
Especial para a CH On-line
04/12/2007