O dino de Polêsine

Esquema mostra a posição de alguns dos fósseis encontrados e o tamanho estimado do animal em vida

A descoberta de fósseis de um dinossauro em São João do Polêsine, região central do Rio Grande do Sul, a aproximadamente 250 km de Porto Alegre, promete romper alguns paradigmas em relação à evolução desses animais. Com possível origem no Carniano, subdivisão do período Triássico (entre 245 e 200 milhões de anos atrás), o ‘dinossauro de Polêsine’ era muito maior que os demais répteis da época. “Os primeiros dinossauros encontrados no Carniano eram animais bem menores que os terópodes surgidos no período Jurássico”, diz o paleontólogo Sérgio Furtado Cabreira, da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), que coordenou a equipe de pesquisadores responsáveis pelos achados.

 
De acordo com o paleontólogo da Ulbra, apesar do pequeno número de peças encontradas, o material surpreende pela qualidade da fossilização e pela natureza anatômica das estruturas. São seis vértebras, falanges das mãos e dos pés, vários dentes e costelas, que levaram os pesquisadores a imaginar que estivessem diante de um terópode (dinossauro bípede e carnívoro) de aproximadamente cinco metros de comprimento por dois de altura, com cerca de 390 quilos.
 

Alguns dos fósseis encontrados em Polêsine: da esquerda para a direita, um dente, uma vértebra dorsal
e uma falange da provável nova espécie de dinossauro descoberta no Rio Grande do Sul.

O pequeno número de animais com o porte do ‘dinossauro de Polêsine’ no Carniano revela a importância do novo achado. “É como na África de hoje: em meio a dois mil gnus existem três ou quatro leões”, compara Cabreira. Situado no topo da cadeia alimentar, o novo animal seria o ‘leão’ dos dinossauros de sua época. Os terópodes do Triássico encontrados na Formação Santa Maria, no Rio Grande do Sul, apresentavam dimensões muito mais modestas: tanto Staurikosaurus pricei quanto Guaibasaurus candelariensis tinham cerca de 0,7 m de altura, aproximadamente 2,3 m de comprimento e pesavam pouco mais de 30 quilos. Outros terópodes da época seriam Herrerasaurus ischigualastensis (com 1,5 m de altura, 4,5 m de comprimento e cerca de 250 quilos) e Eoraptor lunenesis (com 40 cm de altura, 1,1m de comprimento e menos de 3 quilos).

 
As conclusões mais importantes tiradas pelos pesquisadores dizem respeito ao estágio de evolução do animal. Características como a pneumatização das vértebras e dos ossos (o ‘osso oco’ das aves de hoje) e a perfeita fusão entre os ossos do tornozelo (astragalocalcâneo), que se articulam com a perna, o aproximam de gigantes de tempos mais recentes. Além disso, o tamanho exagerado do dinossauro se deve ao fato de que a espécie pode ter surgido alguns milhões de anos antes dos outros dinossauros de sua época. Ela teria tido um porte menor no passado, mas sofreu derivações e cresceu até chegar ao tamanho em que foi encontrado.
 

A fusão dos ossos do tornozelo (calcâneo e astrágalo, que se vê no fóssil acima) é um dos caracteres mais importantes para definir o estágio de evolução de terópodes totalmente adultos. Nos ancestrais dos dinossauros não havia essa união, que permitia aos animais ficar em posição digitígrada e totalmente eretos (terópodes), sem despender muita energia.

Do primeiro achado fóssil à conclusão da pesquisa foram mais de cem dias de trabalho e cerca de 40 cm de rocha escavada em uma área de 6 m de comprimento por 2,5 m de largura em um afloramento da formação geológica Santa Maria. Segundo Cabreira, a região é uma das mais ricas do mundo em material de interesse paleontológico, mas há poucos afloramentos disponíveis para explorar. “A maior parte está debaixo da cobertura vegetal”, diz. “Nesse caso, a ciência deve respeitar a integridade da paisagem natural.”

 
O próximo passo a ser dado pela equipe será fazer uma descrição minuciosa dos fósseis. Os pesquisadores vão comparar os ossos encontrados com os de um dinossauro que viveu na mesma época, o Herrerasaurus ischigualastensis , devido a semelhanças no serrilhado dos dentes. Novas descobertas no futuro deverão facilitar o entendimento do achado recente. “A ciência é assim: vai se construindo e se descontruindo constantemente; com a paleontologia não é diferente”, afirma Cabreira.
 

Os fósseis encontrados em São João do Polêsine ficarão sob a guarda do Departamento de Paleontologia da Ulbra, no município gaúcho de Cachoeira do Sul. O material será analisado por especialistas, visando à publicação de artigos científicos em revistas especializadas. Mais tarde poderá ser examinado por pesquisadores e visitantes de todo o mundo. A espécie ainda não tem nome, que só será escolhido daqui a três ou quatro anos. Se a regra geral para a denominação de espécies for obedecida, o nome científico do dino de Polêsine deverá homenagear algum pesquisador de renome na área ou a região em que os fósseis foram descobertos.  

 

Murilo Alves Pereira
Especial para a CH On-line / PR
01/11/05