O doce sabor do castigo

A neurociência acaba de provar o que muitos já tinham sentido na própria pele: punir pessoas que transgridem normas sociais ou abusam de nossa confiança pode nos trazer grande satisfação. Um estudo da Universidade de Zurique, na Suíça, revelou que as áreas do cérebro ativadas quando alguém decide castigar outra pessoa por ter feito algo errado estão integradas ao sistema cerebral de recompensa — um conjunto de estruturas responsáveis pela sensação de prazer.

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As áreas cerebrais destacadas na imagem acima são ativadas quando alguém deseja punir outras pessoas (imagem: De Quervain et al.)

Os pesquisadores fizeram com que um grupo de 14 homens com idades entre 20 e 30 anos participassem de um jogo de trocas monetárias. No início da partida, os participantes receberam uma quantia em dinheiro. Após uma série de interações, havia a possibilidade que cada um desse parte de sua fortuna a um companheiro.

O amigo poderia, em seguida, escolher entre devolver metade do seu dinheiro ou manter tudo para si. Caso o companheiro decidisse ficar com tudo, o primeiro poderia puni-lo, com uma ressalva: o punidor teria que pagar uma quantia pela vingança. Nos testes, a maioria dos voluntários decidiu castigar os companheiros, apesar do prejuízo que isso representaria para eles.

Para descobrir que áreas do sistema nervoso estavam envolvidas nesse comportamento, os cientistas monitoraram o cérebro dos participantes com um aparelho de tomografia por emissão de pósitrons (PET, em inglês). Eles observaram que as punições ativaram uma região conhecida como estriado dorsal, que faz parte do sistema de recompensa do cérebro que premia nossas boas ações com a sensação de prazer. O estriado é também o local em que se situa o chamado núcleo caudado, região que também é ativada no consumo de drogas como cocaína e nicotina.

O tipo de comportamento verificado na pesquisa é conhecido como punição altruísta: os indivíduos penalizam comportamentos injustos, embora o castigo não lhes traga nenhum benefício material. “Modelos evolutivos e evidências empíricas indicam que essa penalidade foi uma força decisiva no desenvolvimento da cooperação humana e pode ter sido fundamental para a evolução da espécie”, afirma o artigo que relata os resultados do estudo, publicado na revista Science em 27 de agosto e assinado por Dominique de Quervain e outros seis autores.

A habilidade de desenvolver normas sociais — padrões de comportamento baseados em uma crença compartilhada de como os membros do grupo devem agir em determinadas situações — e reforçá-las com punições altruístas é uma das características que distingue a espécie humana. O objetivo dos pesquisadores suíços era descobrir o que motivava os homens a aplicar esse castigo.

Os resultados mostraram que as pessoas têm um sentimento antecipado de recompensa e de satisfação quando aplicam um castigo. Esse prazer associado à punição de normas violadas pode ter sido uma adaptação evolutiva que ajudou a manter a solidariedade entre grupos na sociedade humana. Diferentemente do que ocorre com outros animais, a cooperação humana não é baseada em relação genética. Em um próximo estudo, os pesquisadores pretendem avaliar como esse fenômeno varia em função do sexo e do grupo social.

Eliana Pegorim
Ciência Hoje On-line
30/08/04