O fim não está próximo

De tempos em tempos, os jornais anunciam em tom apocalíptico o esgotamento iminente das reservas mundiais de petróleo. Leonardo Maugeri, vice-presidente para estratégias corporativas da indústria italiana Eni Spa, defende que o fim não está tão próximo assim. Em artigo publicado na revista Science de 21 de maio, ele sugere que as reservas de petróleo mundiais tendem a aumentar.

Na década de 50, o geólogo e matemático M. King Hubbert desenvolveu uma teoria segundo a qual a evolução da produção de um campo de petróleo obedeceria a uma curva em forma de sino: ela cresceria até o pico para, em seguida, decrescer no mesmo ritmo. Esse princípio permitiria, portanto, prever o apogeu e declínio da produção de um campo.

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A A curva de Hubbert retrata uma estimativa da evolução da produção norte-americana de petróleo (fonte: Science)

A teoria ganhou credibilidade quando definiu com grande precisão o pico de produção dos 48 estados americanos e o início de sua queda a partir dos anos 70. Maugeri explica, porém, que isso funcionou no caso dos Estados Unidos porque a exploração das bacias daquele país foi extremamente intensa e contínua. Em outras regiões do mundo, o aproveitamento irregular das bacias tornou mais difícil estimar seu potencial petrolífero.

Maugeri salienta a diferença existente entre “recurso” e “reserva”. Enquanto o primeiro se refere apenas à quantidade de petróleo existente no mundo, o segundo leva em conta a viabilidade técnica e econômica de sua prospecção e, por isso, está sujeito a variações. Muitas vezes, com a aplicação de novas tecnologias e a redução dos custos de produção, recursos cuja exploração era considerada inviável transformam-se em reservas.

Para mostrar que o melhor conhecimento de um campo tende a aumentar o volume estimado de petróleo, o autor cita o caso da bacia do rio Kern, na Califórnia. Quando foi descoberta, em 1899, especialistas calcularam que a extração renderia cerca de 54 milhões de barris. Após muito tempo de exploração, em 1986, a estimativa, feita com novas técnicas, era de 970 milhões de barris restantes.

A tendência apontada por Maugeri é válida também para os campos de petróleo brasileiros, de acordo com o geólogo Giuseppe Bacoccoli, pesquisador visitante do programa de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). “Para não criar expectativas excessivamente favoráveis e não superdimensionar as facilidades de produção, os profissionais que avaliam as reservas de um campo tendem a optar por estimativas mais pessimistas, considerando-se a incerteza dos dados. Depois, com a adição de novos dados, as estimativas são revistas, geralmente para mais”, explica.

Segundo o artigo, além dos avanços tecnológicos e do conhecimento mais preciso dos poços existentes, o crescimento das reservas é condicionado pelo preço do óleo no mercado e por decisões políticas. Nas últimas duas décadas, países ricos em petróleo como Iraque e Arábia Saudita deixaram de investir nas atividades de exploração para evitar um excesso de produção que derrubaria o preço do petróleo. Maugeri defende que os falsos alarmes quanto à crise petrolífera apenas levam os países industrializados a atitudes imperialistas de dominação das regiões produtoras de petróleo.

Embora afaste a hipótese de um fim próximo das reservas mundiais de petróleo, o artigo de Maugeri não faz nenhuma previsão sobre até quando elas devem durar. Já Bacoccoli estima que o petróleo possa continuar como fonte de energia primária pelos próximos 50 anos. “No entanto, antes disso o recurso poderá ser destronado por fontes energéticas mais econômicas e convenientes, como gás natural ou hidrogênio”, ressalta.

Catarina Chagas
Ciência Hoje On-line
25/05/04