O inimigo invisível de Alexandre, o Grande

 

O inimigo invisível de Alexandre, o Grande Descartadas as hipóteses de atentados e acidentes em batalhas, o que poderia ter matado Alexandre, o Grande, um dos mais poderosos guerreiros da Antiguidade, aos 32 anos? Envenenamento, gripe e febre tifóide são possíveis respostas para o mistério. Dois controversos especialistas em doenças infecciosas têm um novo palpite: o conquistador macedônio de grande parte da Ásia teria sido vítima do vírus do Nilo Ocidental.

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Alexandre o Grande (356-323 a.C.) e seu cavalo Bucéfalo, retratados em mosaico do século 1 a.C. (reprodução)

Para chegar a essa conclusão, relatada em dezembro na revista Emerging Infectious Diseases , os norte-americanos Charles Calisher e John Marr usaram um programa de diagnóstico on-line, o Gideon (sigla em inglês para Rede Global de Doenças Infecciosas e Epidemiologia), que relaciona a descrição de sintomas a uma provável enfermidade.

“Num primeiro momento, obtivemos um diagnóstico de 41,2% para gripe, mas ao associar os sintomas de Alexandre, o Grande, descritos nas fontes históricas — febre alta, calafrios, suor e sede excessivos, dores abdominais, fraqueza, delírios, perda da fala e paralisia — à informação de que no local de sua morte havia muitos pássaros, o diagnóstico foi de 100% para febre do Nilo Ocidental”, afirma Calisher, professor da Universidade Estadual do Colorado (EUA).

Várias espécies de pássaros (sobretudo corvos) podem hospedar esse vírus e, quando infectados, apresentam comportamento anormal (como bicadas durante o vôo), até que morram. Essa situação foi descrita pelo biógrafo grego Plutarco (46-119 d.C.) ao mencionar a chegada de Alexandre, o Grande , à Babilônia, onde faleceu.

Essas pistas, no entanto, não bastam para apontar sua causa mortis . Para Paolo Zanotto, virologista da Universidade de São Paulo (USP), é mais provável que Alexandre, o Grande, tenha sofrido de encefalite causada por vírus transmitidos por ácaros, abundantes naquela região há mais de 7 mil anos.

 

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Extensão do império de Alexandre, o Grande, na época de seu auge

Comum na África, Ásia, Oriente Médio e zona mediterrânea, o vírus do Nilo Ocidental ganhou espaço na mídia internacional a partir de 1999, quando chegou aos Estados Unidos. Desde então, se espalha pelo país, além de Canadá, México e América Central. Existem também registros de surtos em países como Argélia, Tunísia, Rússia, Romênia e República Tcheca nos anos 1990.

 

Transmitido por mais de 25 espécies de mosquitos (principalmente do gênero Culex), o vírus causa reações em cerca de 20% dos infectados. Ele pode provocar febre, dores de cabeça, erupções na pele e, em casos mais graves, distúrbios nervosos associados a paralisias, meningite, encefalite e até a morte. Além de homens e pássaros, o vírus ameaça cavalos, lhamas e outros vertebrados. “Apesar de algumas iniciativas para elaborar vacinas para cavalos, ainda não há nenhum tratamento específico contra o vírus para humanos”, afirma Calisher.

Embora nenhum caso do vírus tenha sido registrado no Brasil, a Fundação Nacional da Saúde (Funasa) estuda uma estratégia de vigilância e prevenção contra a febre do Nilo Ocidental baseada na marcação e no monitoramento de aves migratórias, além de métodos moleculares para detecção do vírus. “O vírus deve chegar ao Brasil em no máximo dois anos”, alerta Calisher.

 

Alexandre, o Grande (356-323 a.C.)

Alexandre, o Grande, herdou de seu pai, o rei Felipe II, a missão de expandir o império macedônio. Para isso, recebeu uma rigorosa educação militar e um amplo conhecimento em medicina, geografia, política, retórica, história ciências físicas, naturais e história grega — ensinadas pelo filósofo Aristóteles (384-322 a.C.). Lutou pela conquista de parte do território grego, onde enfrentou resistências e muitas baixas em seu exército. Seu mais ambicioso projeto foi dominar o império persa — objetivo cumprido após diversas batalhas contra o rei Dario III, até que fosse finalmente proclamado rei da Ásia e sucessor da dinastia persa.

Conquistou grandes territórios na Ásia e no Oriente Médio. Com o propósito de aproximar as culturas ocidental e oriental, em 332 a.C. fundou a cidade de Alexandria, no Egito, que, a partir de 283 a.C., abrigou a mais rica biblioteca da Idade Antiga — incendiada pelo imperador Julio César em 48 a.C. Continuou sua empreitada rumo ao oriente e chegou à Índia, em 327 a.C., onde fundou mais duas cidades. Os esforços das viagens debilitaram Alexandre e seus homens, que retornaram à Babilônia em 323 a.C. (localizada próxima à atual cidade de Bagdá, Iraque) com fortes e desconhecidas febres, que causaram a morte do guerreiro macedônio duas semanas depois. 

Segundo a Organização Pan-americana da Saúde (Opas), para se prevenir da doença é preciso tomar as mesmas precauções contra outras enfermidades transmitidas por mosquitos, como vedar as janelas com telas, evitar a proliferação das larvas e, em último caso, espalhar inseticidas para combater os vetores adultos

Andreia Fanzeres
Ciência Hoje On-line
17/12/03