O pai de todos

 


Reconstituição do ‘Dino da Ulbra’ por computação gráfica. (Arte: Joni Marcos da Silva / Ulbra) 

O fóssil de um pequeno dinossauro encontrado por pesquisadores gaúchos da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra/Cachoeira do Sul) pode alterar a forma como a paleontologia entende a evolução dos dinossauros. Isso porque o material – descoberto em dezembro de 2004 em rochas do período triássico da Formação de Santa Maria, no município de Agudo, região central do Rio Grande do Sul, mas só agora anunciado – apresenta características que o diferem dos terópodos basais, animais bípedes e carnívoros que viveram na mesma época, cerca de 228 milhões de anos atrás, e que eram tidos até então como os verdadeiros ancestrais dos neoterópodos, os grandes dinossauros dos períodos jurássico e cretáceo.

A principal diferença apontada pelo paleontólogo Sérgio Furtado Cabreira, autor do achado, está na cintura pélvica. As quatro espécies de terópodos basais conhecidas até agora (duas encontradas no Brasil e duas na Argentina) apresentavam um ílio (osso que conecta as vértebras sacrais aos membros do aparelho locomotor) curto, que se ligava, no máximo, a duas vértebras – característica que afasta esses animais dos dinossauros do jurássico e cretáceo. O novo achado altera esse ponto de vista e mostra que já havia animais mais evoluídos 28 milhões de anos antes do que acreditavam os paleontólogos. Com um ílio longo e desenvolvido, típico dos ceratossauros (animais que viveram entre o triássico e o jurássico), conectado às vértebras sacrais fusionadas (um marco evolutivo dos neoterópodos), o novo dinossauro, ainda sem nome, apresentava estrutura mais estável na região da bacia pélvica – um traço anatômico muito favorável a um bípede. “A pelve desse animal não é uma simples colagem óssea; há uma estrutura complexa”, elucida Cabreira.

Mas essa não é a única característica que aproxima o ‘Dino da Ulbra’ do clã que surge a partir do jurássico. Segundo Cabreira, já foram listadas 63 características semelhantes. Entre elas, a estrutura do crânio e da mandíbula (com diversas articulações intermediárias, que davam ao animal maior firmeza e precisão na caçada), o número e o formato dos dentes, que apresentam serrilhas (pequeno detalhe anatômico observado graças ao bom estado de conservação do fóssil).

Um detalhe evolutivo curioso do ‘Dino da Ulbra’ é que ele apresenta um corno na região nasal. Isso também o remete aos ceratossauros, que só surgiriam 28 milhões de anos mais tarde.

Ílio esquerdo encontrado por pesquisadores da Ulbra em rochas do período triássico, no município de Agudo (RS). Juntamente com o ísquio e o púbis (todos em pares), forma a pelve do dinossauro. (Foto: Joni Marcos da Silva / Ulbra) 

Rápido e rasteiro
O ‘Dino da Ulbra’, reconstituído via computação gráfica, é um animal pequeno, bípede e carnívoro. Tinha cerca de 0,5 m de altura e 1,5 m de comprimento. Os ossos pneumáticos, com paredes finas e grandes cavidades medulares, revelam que era um animal leve (pesava no máximo 12 quilos) com altas taxas metabólicas (algo bastante pragmático para bípedes corredores).

Provavelmente um animal homeotérmico (que conserva uniforme a temperatura de seu corpo), o ‘Dino da Ulbra’ vem ainda confirmar algo que os pesquisadores já sabem há algum tempo: o fato de as aves resultarem da evolução dos dinossauros. “Principalmente por causa da ossatura pneumática, sabemos que muito antes do que se imaginava os dinossauros já vinham adquirindo características encontradas nas aves atuais”, afirma Cabreira. “Era o início da evolução.”

Embora as avaliações prévias indiquem que o achado seja o do mais antigo neoterópodo já encontrado, segundo Cabreira, ainda serão necessários cerca de cinco anos para que os estudos sejam concluídos e se possa conhecer então a real importância desse fóssil. “O achado não dá todas as respostas, mas sugere que os dinossauros teriam surgido já no triássico médio (há cerca de 240 milhões de anos)”, diz Cabreira.

A partir de agora, começam os estudos anatômicos, de classificação e de descrição do material encontrado. O trabalho será feito pela equipe de paleontologia da Ulbra em parceria com pesquisadores de outras instituições.

Sandoval Matheus Poletto
Especial para a CH-On-line/ PR
18/12/2006