O primeiro genoma individualizado

 


O biólogo J. Craig Venter, o primeiro indivíduo a ter todo o seu genoma seqüenciado (foto: Johns Hopkins Medicine).

O geneticista norte-americano J. Craig Venter é o primeiro ser humano a ter todo o seu genoma descrito. Em um trabalho pioneiro, foram seqüenciadas na íntegra as bases de seus 46 cromossomos, o que permitiu comparar o patrimônio genético herdado por cada um de seus pais. Os resultados sugerem que a diferença genética entre indivíduos é bem maior do que se imaginava antes.

O seqüenciamento do genoma humano foi concluído no início desta década por dois projetos independentes – um liderado por um consórcio público de laboratórios e outro capitaneado pelo próprio Venter, então à frente da empresa Celera. Ambas as iniciativas trabalharam com amostras cedidas por vários indivíduos e obtiveram uma seqüência haplóide, reconstituindo apenas um cromossomo de cada par (o genoma humano é formado por 22 pares de cromossomos e por dois cromossomos sexuais). No trabalho publicado esta semana na revista PLoS Biology , foram seqüenciados os cerca de 6 bilhões de pares de bases que compõem os 46 cromossomos de Venter.

Ao comparar os resultados obtidos com um banco de dados de referência sobre o genoma humano, a equipe de Sam Levy, do Instituto J. Craig Venter, encontrou cerca de 4,1 milhões de variações. Nem todas elas correspondiam aos polimorfismos de um único nucleotídeo (SNPs na sigla em inglês), nos quais há a substituição de uma base por outra. Entre as outras diferenças identificadas, havia inserções ou deleções de bases, variações no número de cópias de uma determinada seqüência, substituições em bloco e duplicação de segmentos.

Essa constatação ajuda a entender a complexidade humana – por muito tempo, acreditou-se que os SNPs fossem o único fator responsável pelas diferenças entre os indivíduos e pela suscetibilidade a doenças. “Isso mostra que somos substancialmente mais diferentes uns dos outros do que especulávamos, e isso é uma boa notícia para a humanidade”, afirmou Craig Venter durante entrevista coletiva concedida à imprensa na manhã de hoje. “Seria perturbador se a tremenda gama de características que existe na população humana se resumisse a simples variações do tipo SNP nos mesmos conjuntos de genes.”

Início de uma era?
Venter considera que o trabalho publicado esta semana inaugura a era da genômica individualizada. No entanto, seqüenciar genomas ainda é uma tarefa extremamente dispendiosa, e a perspectiva da medicina genômica individualizada, na qual a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de doenças seriam feitos a partir do genoma de cada um, ainda é distante. “Este é a primeiro e talvez o último genoma diplóide completo a ser seqüenciado com a tecnologia que usamos, que requer muito tempo e dinheiro”, reconhece Venter.

Mas novos genomas individualizados devem ser seqüenciados em escala experimental num futuro próximo, com diferentes métodos em desenvolvimento atualmente. O próximo pode ser o do biólogo James Watson, um dos descobridores da estrutura em dupla hélice da molécula de DNA – seu genoma está sendo descrito com um método desenvolvido pela empresa americana 454 Life Sciences.

Venter espera que, nos próximos anos, os cientistas possam ter à sua disposição a seqüência genômica de alguns milhares de indivíduos. “Com uma base de dados da ordem de 10 mil genomas, seríamos capazes de responder a todas as perguntas fundamentais sobre o que vem da genética e o que vem do ambiente no ser humano”, aposta.

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
03/09/2007