O que esperar do Brasil em Copenhague?

É grande a expectativa em relação ao que será decidido na Conferência de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP-15), iniciada hoje em Copenhague, na Dinamarca. Ainda não se sabe se os 65 chefes de Estado aguardados na reunião chegarão a um acordo para reduzir a emissão de gases do efeito estufa e impedir as catástrofes climáticas causadas pelo aumento da temperatura do planeta. Mas de uma coisa os especialistas em mudança climática e política ambiental têm certeza: o Brasil tem tudo para ser um dos protagonistas do encontro.

A conferência de Copenhague tem a dura missão de gerar um substituto para o não cumprido Protocolo de Kyoto, ratificado em 1999. Esse tratado visava reduzir em 5% as emissões de CO2 de países desenvolvidos até 2012, tendo as emissões de 1990 como referência. Já as metas esperadas para Copenhague são mais ambiciosas.

O Brasil anunciou a intenção de reduzir entre 36% e 39% suas emissões até 2020

O Brasil já anunciou a intenção voluntária de reduzir entre 36% e 39% as emissões de gases estufa até 2020, usando como parâmetro as emissões projetadas para esse período. O objetivo é mais ousado do que o de países desenvolvidos como a Coreia do Sul, que prevê uma redução de 30% em relação ao que emitiria em 2020, o que equivale a um abatimento de 4% do que emitiu em 2005.

“Essa meta voluntária é excepcional”, avalia o climatologista Carlos Nobre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Se o Brasil cumpri-la – e tem que cumprir, apesar de ela não ser legalmente vinculante –, vai ficar no topo das grandes questões climáticas”.

O pesquisador ressalta que a meta brasileira se equipara à norte-americana e afirma que, se o Brasil seguir o que promete, deixará de lançar 1 bilhão de toneladas de CO2 na atmosfera. Já os Estados Unidos anunciaram que vão reduzir 17% das emissões até 2020, em relação ao nível de 2005, deixarão de emitir 1,2 bilhão de toneladas. “Os Estados Unidos, que são uma potência econômica e têm capacidade para atingir metas maiores, vão deixar de lançar um volume de gases praticamente igual ao Brasil”, compara Nobre.

O ecólogo Paulo Moutinho, coordenador de pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e membro do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, acredita que a postura do Brasil pode servir de exemplo aos outros países. “Com essa meta, o Brasil passa a ter papel de liderança e quebra o argumento de que países em desenvolvimento não querem firmar um compromisso de redução maior.”

A importância diplomática do Brasil na conferência das Nações Unidas também foi destacada pelo cientista político Sérgio Abranches em seu blogue Ecopolítca: “O governo brasileiro, ao admitir levar a Copenhague compromissos com ações, quantificadas, rompe com uma atitude histórica da diplomacia que sempre se negou a assumir qualquer compromisso numérico.”

COP-15
Página inicial do portal da COP-15, que começa hoje e vai até 18 de dezembro (reprodução – http://en.cop15.dk).

Desmatamento evitado

A natureza das emissões brasileiras de gases estufa coloca o país em posição de vantagem na corrida para a redução dessas emissões. Na maior parte dos grandes emissores de gases do efeito estufa, a queima de combustíveis fósseis é a grande responsável pelas emissões. Já no Brasil, cerca de 70% das emissões são provenientes do desmatamento. Diante desse número, o anúncio recente de que o país alcançou a menor taxa de desmatamento na Amazônia dos últimos 21 anos é motivo de otimismo.

“O principal elemento para o cumprimento da meta de redução do volume de emissão de CO2 é a queda acentuada do desmatamento da Amazônia”, afirma Nobre. Segundo o pesquisador, metade da meta de reduções brasileiras já estará resolvida se o país cumprir o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que prevê reduzir em 80% o desflorestamento na Amazônia até 2020.

Paulo Moutinho também vê na Amazônia a solução para reduzir as emissões. “O fim do desmatamento pode ser uma medida rápida e relativamente barata para se atingir as metas globais, enquanto se ganha tempo para chegar à revolução tecnológica que levará a uma economia de baixo carbono.” Segundo ele, se o desmatamento da Amazônia acabasse, as emissões globais de CO2 cairiam entre 2% e 5% em relação aos níveis atuais.

Artigo da Science sustenta que é possível acabar com o desmatamento na Amazônia em 10 anos

Em artigo publicado na Science da semana passada em parceria com pesquisadores norte-americanos, espanhóis e brasileiros, o pesquisador sustenta que é possível acabar com o desmatamento na Amazônia em 10 anos. Para isso o Brasil precisaria de uma verba de 7 a 18 bilhões de dólares, que poderia ter origem no mercado de créditos de carbono ou em doações de países desenvolvidos como a Noruega, que em 2007 lançou a Iniciativa Norueguesa para Clima e Floresta e se comprometeu a apoiar as medidas brasileiras de redução de emissões com um bilhão de dólares até 2015.

“Para terminar com o desmatamento é necessário um adicional econômico para além dos programas de fiscalização, preservação e incentivo do governo”, afirma Moutinho. A expectativa do pesquisador é que sejam definidas as regras gerais para o mecanismo de Redd (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação e a Conservação Florestal), um sistema de pagamento de créditos pela preservação de florestas que será negociado em Copenhague.

Moutinho afirma que, por meio do Redd, a redução no desmatamento brasileiro poderia gerar entre 37 bilhões e 111 bilhões dólares para o país entre 2013 e 2020. “Espero que o governo tenha planos envolvendo o Redd”, diz o pesquisador. “Sem o componente de mercado os projetos de redução não terão suporte a longo prazo.” Segundo ele, seria necessário que 10% das reduções brasileiras gerassem créditos de carbono para que se formasse um eixo sustentável.

Desmatamento na Amazônia
Hoje o desmatamento é o principal responsável pelas emissões brasileiras. Cientistas afirmam ser possível deter o desflorestamento na Amazônia em 10 anos (foto: Ricardo Funari).

Investimento na floresta

O estudo da equipe de Moutinho defende que os créditos vindos do Redd sejam investidos na demarcação de reservas ambientais, no reforço das leis de proteção, no desenvolvimento de infraestrutura para os povos da floresta e em técnicas sustentáveis de agropecuária. Para o pesquisador, é fundamental que haja investimentos nas comunidades que habitam a floresta, pequenos agricultores e indígenas.

É fundamental investir nas comunidades que habitam a floresta, em pequenos agricultores e indígenas

“O governo deve prover benefícios para quem quer se legalizar, separar aquele que é criminoso daquele que quer fazer as coisas direito, e o Redd pode viabilizar isso porque traz incentivos para o povo da floresta, que é um grupo importante para a preservação e que deve receber uma parcela compensatória”, acredita Moutinho.

O artigo publicado na Science também aposta em transações com as indústrias de carne e soja – os principais motores do desmatamento – para excluir de sua cadeia de produtiva fornecedores que desmatem a Amazônia. “O momento é propício, pois o mercado demanda um sistema produtivo mais sustentável, principalmente o agrícola”, diz ele.

Para Moutinho, Copenhague é a oportunidade de atualizar as decisões do protocolo de Kyoto e colocar em foco a importância das florestas tropicais. “Vinte por cento do problema ficaram esquecidos no tratado de Kyoto, que deixou de fora as emissões de gás provenientes do desmatamento”, diz o pesquisador. “Agora é a hora de fazer um acordo que realmente viabilize as reduções, que resulte em estratégias de diminuição do desmatamento, senão não há como evitar o aumento da temperatura do planeta.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line