O segredo dos violinos clássicos

Um dos violinos da coleção Stradivarius do Palácio Real, em Madri, na Espanha (foto: Wikimedia Commons)..

Pode ter sido desvendado um dos segredos por trás da alta qualidade de som dos violinos clássicos, como os famosos Stradivarius, que estão entre os melhores do mundo. Por meio de imagens de tomografia computadorizada, pesquisadores da Holanda e dos Estados Unidos descobriram que a densidade da madeira usada para fabricar esses instrumentos é mais homogênea que a de violinos modernos.

Os violinos clássicos feitos na cidade italiana de Cremona por mestres como Antonio Stradivari (1634-1737) e Giuseppe Guarneri del Gesù (1698-1744) são considerados incomparáveis no que diz respeito a aspectos como expressividade e projeção tonais. Segundo especialistas, eles são capazes de moldar um som cheio de nuances que parece expressar melhor a intenção de compositores e músicos. Mesmo após 300 anos, os violinos modernos não conseguiram atingir a qualidade sonora desses instrumentos antigos.

Para explicar a superioridade dos violinos clássicos, os estudiosos têm procurado pistas nas propriedades físicas da madeira usada em sua fabricação. Essas características, junto com a geometria do instrumento, são responsáveis pela vibração e radiação do som próprias de um violino. Até agora, porém, era impossível estudar essas propriedades sem risco de danificar os instrumentos, avaliados em vários milhões de dólares cada um.

Um novo método, desenvolvido por pesquisadores do Centro Médico da Universidade de Leiden, na Holanda, permitiu o exame, com alto nível de detalhamento, de uma das principais propriedades materiais dos violinos – a densidade da madeira – por meio de imagens de tomografia computadorizada. Com a técnica, foi possível observar inclusive os anéis de crescimento da madeira usada na fabricação dos instrumentos.

Os cientistas explicam que o ciclo de crescimento anual de uma árvore produz veias lineares claras e escuras na madeira. As camadas mais antigas, geradas durante a primavera, são responsáveis pelo transporte de água e, por isso, são mais porosas e menos densas do que as mais recentes, que desempenham sobretudo um papel de suporte estrutural.

Clássicos x modernos

A partir de imagens de tomografia computadorizada, os pesquisadores avaliaram propriedades da madeira de cinco violinos clássicos (abaixo em cada mapa) e oito instrumentos modernos (acima nos mapas), como a espessura (na imagem) e a densidade (crédito: PLoS One ).

A equipe examinou cinco violinos clássicos de Cremona – três feitos por del Gesù e dois por Stradivari. Os resultados foram comparados com os de oito instrumentos modernos (sete violinos e uma viola) sem qualquer tratamento que pudesse alterar as propriedades do material usado em sua fabricação.

Com base em um programa de computador usado na área médica para calcular de forma não invasiva as densidades dos pulmões de pacientes com enfisema a partir de tomografias computadorizadas, os pesquisadores desenvolveram um novo software, aplicável à madeira. Ele detecta automaticamente as superfícies interna e externa das placas de madeira de cima e de baixo do violino e calcula a espessura dessas placas, o volume da caixa de som, a densidade média da madeira e a diferença de densidade entre suas superfícies.

A análise, publicada na revista PLoS One desta semana, não encontrou diferença expressiva entre as espessuras e as densidades médias das placas de madeira de violinos clássicos e modernos. Mas a diferença de densidade entre os anéis de crescimento mais antigos e mais recentes foi significativamente menor nos violinos clássicos, tanto na placa de madeira de cima quanto na de baixo.

“Acreditamos ter encontrado um dos fatores que poderiam explicar a superioridade sonora de violinos cremonenses”, diz à CH On-line um dos autores do artigo, o cientista da computação Berend Stoel, do Centro Médico da Universidade de Leiden.

Segundo os pesquisadores, essas diferenças de densidade podem refletir alterações similares na distribuição da espessura da madeira, que poderiam afetar diretamente a eficácia da vibração – e, conseqüentemente, a produção do som – ou modificar indiretamente a radiação sonora pela mudança das características de amortecimento. “Qualquer um desses mecanismos pode ajudar a explicar as diferenças acústicas entre violinos clássicos e modernos”, concluem no artigo.

No entanto, os cientistas não sabem explicar as causas dessa peculiaridade. Segundo eles, existe a hipótese de que o som dos violinos clássicos seja fruto de um tratamento da madeira em que ela é submersa em água corrente, o que causaria a degradação de vários de seus elementos e resultaria em densidades mais baixas. Outra explicação seria a ação do tempo, que alteraria as propriedades da madeira pela decomposição e perda de componentes da parede celular das células vegetais, o que provocaria diferenças na densidade do material. “Nesse momento não podemos fazer mais do que especular sobre essas causas.”

Stoel destaca que o estudo pode facilitar a reprodução da qualidade sonora de violinos clássicos em instrumentos modernos. “Talvez nossos resultados possam ser usados para a seleção de pedaços de madeira que se assemelhem ao máximo às madeiras antigas, sem esquecer que há outros fatores que determinam a excelência de um violino”, pondera.  

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
02/07/2008