O último salto do gafanhoto

Toras de araucária em Prudentópolis (PR) (fotos: Zig Koch/www.zigkoch.com)

O gafanhoto encara seu observador. O curioso do outro lado da lente da câmera, o biólogo e fotógrafo polonês Piotr Naskrecki, está eufórico com a descoberta. Especialista em gafanhotos, ele sabe que está diante de uma nova espécie. Mas o cientista se distrai, o inseto usa suas longas patas e foge do clique da máquina fotográfica. Frustrado, Naskrecki caminha por uma trilha e chega a uma aldeia. Olha à sua volta e vê pilhas e mais pilhas de tronco de árvore, o símbolo das mudanças pelas quais o local está passando. Conhecedor da fragilidade daquele ambiente e de suas pequenas criaturas, o biólogo percebe que, antes mesmo de registrar a nova espécie, pode ter sido a última pessoa a admirar aquele gafanhoto.
 
A história de Piotr Naskrecki em sua visita às Ilhas Salomão, no oceano Pacífico, foi usada pelo jornalista Marcos Sá Corrêa como exemplo de impacto causado por alterações no meio ambiente – como a extinção de espécies – e da íntima relação entre natureza e fotografia. Corrêa esteve ao lado do fotógrafo Zig Koch na mesa-redonda ‘Fotojornalismo e meio ambiente’ para debater o papel da imprensa nas questões ambientais. Mediado pelo diretor da Fundação Boticário, Miguel Milano, o encontro ocorreu no último dia 7 de fevereiro no Estação Embratel Convention Center, em Curitiba, dentro do programa do World Press Photo, em exposição na cidade.
 
Conhecido por anos de trabalho no jornalismo político, Corrêa é atualmente um dos diretores do site O Eco e tem se aproximado da cobertura ambiental. Mas não admite mudanças radicais na carreira: “Apenas entendi o cotidiano efêmero da política e vi a questão ambiental com uma importância política muito maior”.
 
Por outro lado, a mudança fez bem ao ex-arquiteto Zig Koch, hoje um dos grandes fotógrafos de natureza do Brasil. Conhecido por levar a araucária ( Araucaria angustifolia ) a outras partes do país por meio de suas fotos, Zig lamenta a redução gradual de exemplares de sua musa inspiradora (hoje resta apenas 0,8% das florestas de araucária originais, que antes cobriam boa parte dos estados do Paraná e Santa Catarina).
 
Recursos infinitos?

Capão de araucária no município de São Joaquim (SC).

Os anos de cobertura política dão a Sá Corrêa certeza para afirmar: “Em ano eleitoral se discute tudo neste país, menos meio ambiente”. Segundo o jornalista, isso ocorre porque o povo brasileiro está ‘vacinado’ pela sensação de que nossos recursos naturais são inesgotáveis. Esse mito se perpetua desde a ufanista carta de Caminha, passando pela Canção do Exílio , de Gonçalves Dias, e pelo Hino Nacional .
 
A idéia de desenvolvimento, cultivada desde o governo Juscelino Kubitschek, também contribui para esse descaso com a natureza, diz Corrêa. No tempo de JK, o símbolo de progresso era um trator derrubando árvores. Mas hoje, enquanto países do primeiro mundo têm aumentado suas florestas, o Brasil continua pondo árvores no chão. “No final ficaremos pobres, atrasados e sem árvores. Isso não é desenvolvimento!”, afirma Corrêa.
 
Para Zig Koch, cabe ao governo mudar esse pensamento e incentivar a preservação do meio ambiente, recompensando quem cuida e punindo quem destrói. Segundo ele, as recentes unidades de conservação (UCs) no Paraná e em Santa Catarina são um exemplo dessa política às avessas, uma vez que as UCs são criadas justamente em terras de quem preservou a vida inteira. “Daqui pra frente, quando um homem do campo vir um pinheirinho crescendo, ele vai ‘passar por cima’ porque sabe que no futuro aquela árvore poderá significar problema”, ironiza o fotógrafo.
 
Planeta emprestado

Papagaio-de-peito-roxo ( Amazona vinacea )

O impacto causado pelo homem na Terra é tamanho, que compromete as futuras gerações, concluíram os debatedores. “É como se emprestássemos o planeta, mas isso é feito de modo totalmente equivocado”, diz Zig. Mais enfático, Corrêa afirma que pagamos pelos erros do passado e fazemos o mesmo com o futuro. “O enriquecimento de poucos à custa do bem coletivo é um roubo das gerações futuras. Roubamos de quem ainda nem nasceu”, resume.
 
O acúmulo de riqueza por poucos em detrimento dos interesses da maioria também foi comentado pelo mediador Milano. “Privatizamos os lucros e coletivizamos os prejuízos”, disse. Para Corrêa é insustentável politicamente um mundo em que 4 bilhões de pessoas vivem na subsistência. Mas a solução não seria aumentar o consumo de todos. “Se a China consumisse como os EUA, precisaríamos de dois planetas”, exemplifica.
 
Como não temos dois, resta-nos cuidar do que sobrou de nosso planeta e para isso o papel da imprensa é fundamental, concluem os debatedores. Afinal, se os interesses econômicos de poucos continuarem prevalecendo sobre o bem comum, poderemos sentir o mesmo que o biólogo Naskrecki ao admirar pela última vez o gafanhoto sumindo de sua vista.

 

 

Murilo Alves Pereira
Especial para Ciência Hoje On-line/PR
21/02/2006