O valor do improviso

Nesta gambiarra, uma lata de refrigerante com uma membrana elástica foi colocada no lugar da agulha da vitrola: uma pequena ponta da lata encosta no disco e envia vibração mecânica para a membrana, que se transforma em um pequeno alto-falante. (Foto: Rodrigo Boufleur) 

Um estudo aponta novas saídas para diminuir os resíduos da produção industrial: uma possível aliança entre o design e a gambiarra (termo usado para o ato de dar soluções não-convencionais e, na maioria das vezes, criativas para necessidades específicas ou imediatas). As características comuns dos dois conceitos poderiam originar uma forma não-industrial de design , chamada idiossincrática. Trata-se de um método de projetar voltado para as necessidades e realidades de cada indivíduo, que usaria como matéria-prima o ‘lixo rico’, resíduos sólidos com atributos particulares, como tubos de TV queimados e rodas de bicicleta e bolas de boliche danificadas. Essa é a proposta da dissertação de mestrado do designer Rodrigo Boufleur apresentada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Segundo Boufleur, o design é um dos principais integrantes da estrutura de produção industrial e, por isso, tem um papel fundamental no incentivo ao consumo e, conseqüentemente, no aumento do lixo. “É no momento do descarte que a gambiarra se relaciona com o aparato industrial”, diz. “O improviso no conserto ou na construção de novos produtos a partir de materiais disponíveis no momento diminui a quantidade de resíduos, à medida que aumenta a sobrevida de aparelhos ou reutiliza objetos que seriam descartados.”

A luminária criada por Rodrigo Boufleur e Rafael Bispo a partir de uma bola de boliche defeituosa (no detalhe) é um exemplo de design idiossincrático. (Foto: Rodrigo Boufleur) 

O pesquisador defende o ‘ design idiossincrático’ como uma alternativa à crise do lixo. “Comenta-se muito sobre a era pós-industrial, mas o paradigma da produção de artefatos ainda é predominantemente industrial”, explica. “Esse novo modelo é uma idéia ainda em desenvolvimento de um design não-industrial, sem a produção em massa. O projeto e a constituição física do produto seriam elaborados ao mesmo tempo, em função da necessidade específica do seu futuro usuário, com matéria-prima já existente.” Dessa forma, Boufleur propõe a união dos conceitos de gambiarra e design , apesar de eles serem antagônicos em alguns aspectos, já que o primeiro é geralmente associado ao feio e ao grotesco, e o segundo é relacionado ao nobre e ao valioso.

Segundo o designer , a gambiarra está sempre relacionada a um contexto peculiar, a situações que não se repetem e normalmente não são previsíveis. Esse improviso é facilmente associado à identidade do Brasil, marcada pela criatividade na hora de solucionar problemas, pelo famoso ‘jeitinho brasileiro’. Mas a prática da gambiarra não é restrita ao nosso país. “No entanto, a forma como a nossa sociedade foi constituída, com a mistura de povos, a desigualdade social e a burocracia, influenciou seu uso mais freqüente.”

Em sua dissertação, o autor desafia conceitos tradicionais, propondo reflexões e questionamentos sobre a atualidade. “Não há nesse estudo uma grande descoberta; há um olhar possivelmente incomum”, avalia. “Talvez o papel mais importante da ciência hoje não seja buscar novos avanços tecnológicos, mas pensar o que pode ser feito em relação aos grandes problemas socioambientais.”

Mariana Benjamin
Ciência Hoje On-line
17/10/2006