Obras que revelam

A descoberta de um sítio arqueológico pode ajudar a preencher lacunas sobre a ocupação da cidade de Paraibuna, em São Paulo. Encontrado durante a exploração de áreas próximas a obras de duplicação da rodovia Tamoios, o sítio tem cerca de cinco mil metros quadrados e abriga objetos produzidos pelos índios da etnia Aratu, que habitaram o Brasil entre os séculos 10 e 14.

Segundo Wagner Bornal, arqueólogo da empresa Origem Arqueologia, responsável pelo estudo, vestígios dessa tradição indígena raramente são encontrados na região. “É comum acharmos sítios associados à cultura Tupi-Guarani, mas, pela tipologia do material e padrão da ocupação do sítio, identificamos que os objetos foram produzidos pelos aratus”, explica.

O arqueólogo afirma que, no Vale do Paraíba, essa é apenas a terceira evidência da tradição Aratu, tendo as outras duas sido encontradas nos municípios de Santa Branca e Caçapava. Em Paraibuna, foram coletados fragmentos de utensílios cerâmicos como potes e tigelas, além de objetos de pedra lascada e urnas funerárias. Pela quantidade de objetos escavados, a aldeia abrigava centenas de pessoas.

Algumas características revelam que as peças foram produzidas há pelo menos 600 anos, retratando um período histórico anterior à colonização do Brasil

Ainda em estudo, as peças não têm datação exata. No entanto, algumas características revelam que foram produzidas há pelo menos 600 anos, retratando um período histórico anterior à colonização do Brasil. “Após o contato com europeus, os índios passam a produzir objetos com tampa, alça e base plana, o que não é visto nos utensílios que encontramos”, observa Bornal.

Outros 34 sítios arqueológicos com achados dos séculos 18 e 19 também foram encontrados nos arredores. “O sítio dos aratus foi o último a ser estudado. Os objetos estavam fragilizados por se encontrarem perto de uma represa e precisaram ser escavados com cuidado”, conta o arqueólogo.

O destino do material coletado ainda não foi definido, mas a área não é atingida pelas obras da rodovia e será preservada, sendo transformada em sítio-escola para estudos arqueológicos. “O sítio é patrimônio da União e não será impactado pela duplicação da rodovia”, garante. “A própria escavação é fruto de legislação federal, que exige a busca por vestígios arqueológicos antes das obras”, completa.

Gravuras rupestres

A norma jurídica citada por Bornal rege, além da construção de estradas, obras como a do reservatório da usina hidrelétrica Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia. Nesse caso, após a exploração arqueológica do território, pesquisadores reconstituíram digitalmente gravuras rupestres esculpidas em rochas que, durante o período de chuvas, ficam encobertas pelas águas do rio.

Gravuras rupestres
Por meio de técnicas precisas, arqueólogos registram detalhes das gravuras rupestres presentes em rochas no rio Madeira, gerando imagens tridimensionais. (foto: Scientia Consultoria Científica)

Segundo Renato Kipnis, arqueólogo da Scientia Consultoria Científica, as figuras aparecem apenas quando o nível do rio diminui, o que ocorre anualmente entre julho e novembro. “Na década de 1980, o arqueólogo Eurico Miller identificou algumas dessas gravuras, mas trabalhava quase que sozinho e fez poucos registros”, diz. “Nós conseguimos registrar cerca de mil figuras associadas a blocos de granitos que ficam em torno das ilhas encontradas no rio Madeira.”

O estudo foi feito ao longo de seis semanas por pesquisadores brasileiros e portugueses. A equipe usou uma técnica de varredura a laser capaz de registrar mais de 900 mil pontos dos blocos de granito e das gravuras rupestres por segundo, fazendo uma varredura milimétrica da imagem. Em seguida, aplica-se uma técnica ainda mais detalhista: uma espécie de scanner com precisão micrométrica percorre a gravura e gera uma imagem tridimensional.

Kipnis: “Nós conseguimos registrar cerca de mil figuras associadas a blocos de granitos que ficam em torno das ilhas encontradas no rio Madeira”

Ainda em estudo, as figuras parecem mostrar humanos, formas geométricas e animais como o lagarto. O trabalho gerou um artigo publicado em janeiro deste ano na revista portuguesa Al Madan, do Centro de Arqueologia de Almada.

A datação do material ainda está em andamento e os resultados devem vir nos próximos meses. Kipnis adianta que algumas gravuras podem ter se originado há oito mil anos e foram feitas por diferentes populações indígenas. Além das gravuras, explorações feitas nos arredores antes do início da construção da usina revelaram em torno de 70 sítios arqueológicos que abrigam utensílios cerâmicos.

Tanto as gravuras quanto os sítios expõem a diversidade cultural que constitui a história da região. “Os materiais variam de um sítio para outro, mostrando que foram produzidos por grupos diferentes”, explica o arqueólogo. “Esse registro nos leva a questionar se essa diversidade é fruto de uma evolução local ou se é originada por grupos diferentes que migraram e se fixaram em torno do rio Madeira ao longo do tempo.”

Após a análise dos pesquisadores, o material coletado nos sítios será exposto em um prédio a ser construído na Universidade Federal de Rondônia. “Nós também temos a intenção de disponibilizar as gravuras rupestres na internet para o acesso da comunidade”, completa Kipnis.

Por água abaixo?

Os registros das gravuras começaram a ser feitos em 2011 e os pesquisadores levaram seis semanas para fazer a varredura de toda área exposta, que se estendia ao longo de 100 quilômetros de rio. Em março de 2012, a barragem da hidrelétrica foi finalizada e a região que continha as gravuras, inundada.

Kipnis aponta que ainda não é possível saber que impacto a usina terá sobre as gravuras rupestres. “Essas gravuras naturalmente ficavam embaixo da água durante uma época do ano. Agora, ficarão inundadas permanentemente até a usina ser desativada”, diz. “Como não é possível retirar os blocos de rochas do rio para guardar as gravuras, o registro que fizemos será muito importante para estudos futuros.”

Clique aqui para ler o texto que a Ciência Hoje das Crianças publicou sobre esse assunto.

Mariana Rocha
Ciência Hoje/ RJ