Observação pioneira de fenômeno quântico



O pesquisador Stephen Walborn checa os dados obtidos pelos detectores do Laboratório de Óptica Quântica da UFRJ. A parte mais brilhante da foto corresponde ao cristal que produz os fótons emaranhados. No fundo estão os contadores de fótons. Entre o cristal e esses detectores, existem lentes e espelhos que produzem o caminho dos fótons até os contadores. No canto direito está uma caixa preta onde é produzido o feixe de laser.

Um grupo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) acaba de conseguir um feito importante, relatado em artigo na revista Nature

desta semana. Em colaboração com pesquisadores da Universidade Harvard (EUA) e do Instituto Max-Planck (Alemanha), a equipe realizou a primeira medida direta de uma propriedade quântica de um par de fótons chamada de emaranhamento. O resultado representa mais um passo no longo caminho que falta trilhar até a criação dos primeiros computadores quânticos, que prometem substituir as máquinas atuais com um poder de processamento muito maior.

 

O emaranhamento é uma das propriedades mais estranhas e menos conhecidas do mundo quântico. Trata-se de uma forma de correlação entre átomos, fótons e elétrons em que é possível inferir o estado de uma partícula a partir da medição do estado da outra. “Há um grande esforço em identificar as características desse fenômeno, principalmente a partir de 1990”, disse Luiz Davidovich, pesquisador do Laboratório de Óptica Quântica do Instituto de Física da UFRJ, onde foi realizado o estudo, e um dos autores do artigo.

 

O estado emaranhado pode ser evidenciado por duas propriedades das partículas, a polarização – que pode ser vertical ou horizontal – e o momento (ou direção de propagação). Se uma polarização vertical for verificada em um dos fótons do par emaranhado, por exemplo, isso indica que o outro estará polarizado na horizontal.

 

Quando duas partículas estão emaranhadas, as propriedades de cada uma são indefinidas. É possível em princípio conhecer as características globais do sistema com precisão, mas não de cada uma das partes. Podemos saber, por exemplo, que a polarização de um dos fótons é perpendicular à polarização do outro, mas não conhecemos qual é a polarização de cada um. No entanto, a medida da polarização de um dos fótons determina a polarização do outro.

 

Caracterização do fenômeno

 

Para caracterizar o estado de emaranhamento, a equipe da UFRJ desenvolveu um novo método para produzir e observar ‘fótons gêmeos’ – nome dado a um par de fótons produzido simultaneamente. “Inventar formas de medir essa correlação dá uma maior noção física de uma propriedade definida em geral por uma fórmula matemática que não tem significado físico”, conta Luiz Davidovich.

 

Os pesquisadores usaram um cristal iluminado por um laser para produzir fótons superemaranhados, ou seja, emaranhados tanto em relação à polarização quanto em relação ao momento. “Fizemos duas cópias de um estado emaranhado em um mesmo par de fótons, o que permitiu determinar o emaranhamento através de uma única medida, ao invés de medir várias vezes um conjunto de fótons, como fazem os outros métodos”, explicou Stephen Walborn, pós-doutor na UFRJ e primeiro autor do artigo.

 

Apesar de ter possibilitado a observação individual do emaranhamento, essa metodologia não funciona em sistemas mais complexos. “Caracterizar um estado emaranhado de muitas partículas é um problema importante que está em aberto atualmente”, ressaltou Davidovich. “O emaranhamento é uma propriedade frágil, facilmente destruída pela interação do sistema com o meio ambiente. Por isso há uma preocupação em protegê-lo e em descobrir como o ambiente o influencia.”

 

Rumo aos computadores quânticos

 

Entender melhor o emaranhamento é fundamental para o aprimoramento das tecnologias de transmissão e processamento de dados. “É possível transmitir informação sobre o estado de uma partícula, de modo que ele seja reconstruído sobre outra partícula, com apenas dois bits, utilizando um par de partículas emaranhadas, o que é conhecido como teleportação”, afirma Davidovich. “Sem o ‘canal quântico de comunicação’ constituído pelas partículas emaranhadas, seria necessário empregar um número infinito de bits para realizar a mesma tarefa.”

 

Um computador que utilize esse sistema teria uma capacidade de processamento muito maior que a dos computadores clássicos. “Para fazer um computador quântico funcionar, precisaremos de sistemas com muitas partículas em que o emaranhamento não seja destruído pelo ambiente”, explicou. Para isso, no entanto, será preciso esperar alguns anos ou até décadas.

 

No que depender do grupo do Laboratório de Óptica Quântica da UFRJ, novos passos dessa caminhada podem ser realizados no Brasil. “Pretendemos agora usar algumas das idéias que desenvolvemos para estudar os efeitos do ambiente sobre o emaranhamento”, conta Davidovich.

 

 

 

Franciane Lovati

 

Ciência Hoje On-line

20/04/2006