Obstáculo inesperado

O morcego-de-Bechstein (Myotis bechsteinii), encontrado na Europa central, mostrou-se incapaz de transpor estradas voando (foto: Parc naturel régional des Vosges du Nord).

A construção de rodovias que cruzam áreas de conservação pode gerar um forte impacto na fauna local, seja pelo aumento do número de atropelamentos ou pela fragmentação das populações. No caso específico de morcegos, porém, as estradas podem se converter em um verdadeiro obstáculo. Um estudo realizado na Alemanha mostra que algumas espécies são incapazes de atravessar voando estradas muito movimentadas.

A pesquisa – a primeira a avaliar o impacto ecológico das estradas sobre os morcegos – foi realizada pelos ecólogos Gerald Kerth, da Universidade de Lausanne, na Suíça, e Markus Melber, da Universidade de Würzburg, na Alemanha. Os resultados, publicados na revista Biological Conservation, mostraram que os animais não voam por cima das estradas e raramente atravessam as passagens subterrâneas, construídas para não isolar as populações de animais.

O estudo foi realizado na floresta de Gutenberg, na região da Baviera, cortada por uma rodovia que recebe aproximadamente 85 mil veículos por dia. Entre os anos de 2004 e 2007, Kerth e Melber instalaram redes de captura em vários pontos da floresta e nas passagens, para avaliar se haveria menos morcegos ali do que em outras áreas da região.

Foram capturados nas redes 214 morcegos de sete espécies. Todas foram encontradas nas passagens subterrâneas, mas apenas duas espécies – o morcego-negro (Barbastella barbastellus) e o morcego-de-franja (Myotis nattereri) – foram encontradas com a mesma frequência nos túneis e em outras áreas da floresta.

Animais rastreados
Os pesquisadores analisaram ainda com o uso de rádio os movimentos de fêmeas de morcego-negro e morcego-de-Bechstein (Myotis bechsteinii), duas das espécies mais ameaçadas da Europa. Das seis fêmeas de morcego-negro rastreadas, cinco voavam rotineiramente por cima da estrada ou pelas passagens à procura de alimento ou abrigo.

Já entre os morcegos-de-Bechstein, das 34 fêmeas estudadas, apenas três atravessaram a estrada, e sempre pelo túnel. “O efeito da rodovia sobre esses animais foi realmente estranho”, afirma Kerth. “Ela atua como uma espécie de parede invisível, que limita o acesso desses animais”.

De acordo com os pesquisadores, a diferença constatada no estudo pode ter relação com o comportamento dos animais na natureza e com as adaptações morfológicas das asas dos animais. Morcegos-de-Bechstein procuram seu alimento em meio à vegetação e possuem asas relativamente largas e arredondadas, que facilitam o desvio de árvores muito próximas da floresta.

Por outro lado, morcegos-negros costumam procurar seu alimento em áreas abertas e possuem asas mais pontudas e finas, que os ajudam a ter mais velocidade. Isso pode permitir que eles atravessem mais rapidamente que a outra espécie as regiões cortadas por estradas, nas quais há mais luz e barulho que na floresta.

“Ainda não temos evidência de que a estrada estaria prejudicando diretamente a população de morcegos-de-Bechstein, mas seria interessante a construção de túneis específicos para os morcegos”, afirma Kerth. “Muitos morcegos dependem da floresta para se alimentar e se abrigar, e fragmentação do hábitat é provavelmente uma causa importante para o declínio mundial das populações desses animais.”   

Igor Waltz
Ciência Hoje On-line
03/03/2009