Oceano menos salgado

          

Com aproximadamente 3,1 milhões de km 2 , a bacia do rio da Prata é a segunda maior da América do Sul. O rio que dá nome à bacia e é responsável por seu escoamento deságua na fronteira entre a Argentina e o Uruguai numa foz de 230 km. A vazão de mais de 20 mil metros cúbicos de água doce por segundo provoca alterações importantes de natureza física, química e biológica nos ecossistemas marinhos numa área que se estende até o litoral de Santa Catarina.

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As ilustrações a partir de informações de satélite mostram a ampla variação do alcance das águas doces do rio da Prata (em vermelho e verde). No inverno, elas podem chegar até o litoral do Rio de Janeiro

Até agora, pouco se sabia do real alcance das águas doces no oceano e das dimensões do impacto do deságüe. Mas um trabalho pioneiro que reuniu pesquisadores de Brasil, Uruguai, Argentina e EUA vai ajudar a entender o fenômeno e suas conseqüências.

Com esse objetivo, pesquisadores dos quatro países realizaram pela primeira vez em conjunto uma expedição em que dados oceanográficos sobre a plataforma continental do Atlântico Sudoeste foram coletados por barco e avião. Durante o inverno eles percorreram mais de 3,5 mil km em apenas 12 dias de viagem, de Mar del Plata (Argentina) a Itajaí (SC).

 

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O sensor CTD é lançado ao mar para a coleta de amostras de água, nas quais serão analisados níveis de oxigênio, sais nutrientes e clorofila

O professor Osmar Möller, do Laboratório de Oceanografia Física da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (Furg) esteve presente na expedição e explica que a extensão afetada pelas águas doces do rio da Prata é variável. “No inverno, normalmente encontramos seu limite até a região do Cabo de Santa Marta Grande (SC), mas algumas vezes se verificou que essa água pode se propagar até o litoral de São Paulo ou mesmo do Rio de Janeiro.”

 

Constatou-se que os mares do Uruguai e do sul do Brasil apresentam em sua camada superficial um índice de salinidade muito menor do que o restante do litoral brasileiro, com exceção da área de influência do Rio Amazonas.

Essa capa de baixa salinidade afeta características como a variação vertical da temperatura ou a composição química das águas, que se tornam mais ricas em sais nutrientes. Em decorrência disso, aumentam tanto a produção biológica quanto a diversidade de espécies. O deságüe pode interferir ainda nas trocas de calor entre o oceano e a atmosfera e ocasionar alterações climáticas regionais.

Os dados da pesquisa foram coletados com dois aparelhos principais: um sensor de microondas (Starrs) e o triplo sensor CTD . O Starrs é um equipamento de alta tecnologia acoplado a uma aeronave que estima a distribuição de salinidade na superfície do oceano a partir da medição de radiação emitida pelo mar. Também foram utilizadas redes para coleta de zooplâncton e um amostrador de fundo para a coleta de sedimentos e de foraminíferos bentônicos.

Möller ressalta o caráter inovador da expedição: “A parceria inédita entre Brasil, Uruguai e Argentina foi de fundamental importância. Além de ser a quarta utilização do Starrs no mundo, conseguimos percorrer uma grande extensão de mar em poucos dias, o que confere mais confiabilidade aos resultados”.

Um novo cruzeiro deverá ser feito no verão de 2004, para que as diferenças de estação possam ser consideradas e os agentes que provocam tais variações, melhor avaliados. O estudo é financiado pelo Instituto Interamericano para Investigações de Mudanças Globais (IAI), e conta com apoio das Marinhas da Argentina, Brasil e EUA e da Força Aérea do Uruguai. A coordenação é do consórcio South Atlantic Climate Change .

Julio Lobato
Ciência Hoje On-line
01/12/03