‘Ói nois aqui traveis’

Se esta notícia precisasse de trilha sonora, já estaria escolhida: “Se vocês pensa que nóis fomos embora, nóis enganemos vocês…” A música do grupo Demônios da Garoa, sucesso na década de 1960, parece apropriada para acompanhar o anúncio do suposto reaparecimento de uma espécie de tartaruga gigante de Galápagos.

Por meio de análises de DNA em mais de 1,6 mil tartarugas da ilha Isabela, pesquisadores encontraram 84 indivíduos que teriam como um dos pais exemplares de raça pura da espécie Chelonoidis elephantopus, considerada extinta. Como 30 deles têm menos de 15 anos e a vida das tartarugas costuma ser longa – mais de 100 anos –, é possível que alguns desses pais e mães ainda estejam vivos.

“É muito provável que ainda estejam vivas hoje tartarugas da espécie C. elephantopus de raça pura e em idade reprodutiva”

Uma pesquisa publicada em 2008 anunciou que marcas genéticas da tartaruga, endêmica da ilha Floreana, haviam sido detectadas em 11 indivíduos híbridos de Chelonoidis becki em Vocano Wolf, na ilha Isabela – no século 19, era comum que tartarugas fossem transportadas por navios piratas e baleeiros, o que pode explicar como algumas espécies endêmicas de uma ilha podem ter ido parar em outra.

Esses híbridos pareciam ser os últimos vestígios genéticos da famosa tartaruga, mas alertaram os pesquisadores para a possibilidade de existirem ainda exemplares vivos e de raça pura.

A equipe da Universidade Yale, nos Estados Unidos, decidiu investigar e, em carta publicada na edição deste mês da revista Current Biology, anunciou um novo estudo ainda mais esperançoso quanto ao paradeiro das famosas tartarugas. “É muito provável que ainda estejam vivas hoje tartarugas da espécie C. elephantopus de raça pura e em idade reprodutiva”, diz a carta.

Tartarugas de Galápagos
As tartarugas de Galápagos ganharam fama com o relato da histórica viagem do naturalista Charles Darwin ao arquipélago em 1835. As diferentes espécies do animal tiveram papel importante na formulação de sua teoria da evolução. (foto: Eva Schuster/ Sxc.hu)

De volta a Volcano Wolf, os cientistas coletaram amostras de sangue de 1.669 indivíduos, o que corresponde a aproximadamente um quinto da população local de tartarugas, e iniciaram uma série de análises da DNA em busca de marcadores genéticos específicos para a espécie.

Eles compararam o DNA das tartarugas amostradas com um banco de dados de todas as espécies de tartarugas atuais e supostamente extintas de Galápagos – um desafio e tanto, numa população com histórico de hibridizações frequentes.

Por meio de simulações em computador, os cientistas determinaram as possibilidades de mistura genética que aconteceriam em diferentes cenários de hibridização. Assim, puderam identificar as tartarugas híbridas e os possíveis cruzamentos que as geraram.

Nessa empreitada, foi fundamental contar com o material disponível em museus, como exemplares taxidermizados de tartarugas. “Este trabalho reafirma a importância das coleções de museus para facilitar novas descobertas”, aponta o biólogo Ryan Garrick, um dos autores da pesquisa. “Aqui, pudemos extrair DNA de ossos de tartarugas coletadas muitas décadas atrás, e usamos esse DNA para caracterizar o conjunto genético da C. elephantopus de raça pura”.

Planos de recuperação

Segundo os pesquisadores, o número mínimo de indivíduos necessário para produzir a diversidade genética encontrada nas 84 tartarugas analisadas seria de 38. “Isso, porém, não é uma estimativa do número de tartarugas de raça pura ainda vivas”, explica Garrick.

Em todo caso, os resultados oferecem alguma esperança de recuperação da espécie: se as tartarugas de raça pura forem encontradas, será possível iniciar um programa de reprodução em cativeiro para trazer de volta a C. elephantopus.

Se as tartarugas de raça pura forem encontradas, será possível iniciar um programa de reprodução em cativeiro para trazer de volta a espécie

A equipe de Yale pretende voltar a Volcano Wolf em dezembro para reencontrar os descendentes da espécie e, com sorte, também os exemplares de raça pura. Ainda em 2012, cientistas e gerentes de unidades de conservação que atuam em Galápagos irão se reunir para discutir possíveis planos de ação.

Um objetivo importante a ser perseguido é devolver as tartarugas geradas na reprodução em cativeiro à ilha Floreana, onde a C. elephantopus foi originalmente observada.

Segundo os especialistas, as tartarugas eram espécies-chave na ilha e, com seu desaparecimento, o equilíbrio ecológico da região ficou prejudicado, tornando os ecossistemas dali mais vulneráveis a mudanças que poderiam alterar de forma definitiva o equilíbrio atingido após milhões de anos de evolução.

Catarina Chagas
CHC On-line/ RJ

Clique aqui para ler o texto que a Ciência Hoje das Crianças publicou sobre a descoberta.

E para quem ficou com vontade de ouvir a música-título da matéria…