Olhar-se no espelho

O clima nas discussões do 33º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) era de reflexão. Além de temas tradicionais – como a conjuntura nacional e a violência urbana –, o debate sobre a própria atividade científica nas ciências sociais esteve bastante presente no evento. Discutiu-se também a inserção dessa área do saber no sistema nacional de ciência e tecnologia e sua presença na mídia.

O encontro aconteceu entre os dias 26 e 30 de outubro em Caxambu (MG) e reuniu cerca de três mil pessoas. No total, foram 21 mesas-redondas, 41 grupos de trabalho, 692 apresentações e 50 livros lançados. A atividade de pesquisa em ciências sociais ganhou uma sessão especial, além de permear trabalhos sobre os mais variados assuntos.

“A Anpocs cresceu tanto que a reflexão sobre a institucionalização das ciências sociais se perdeu um pouco”, reflete Maria Alice Rezende de Carvalho, presidente da associação. “Por isso, é muito importante que ela esteja se fortalecendo agora. Essa mesa que realizamos [Política Científica nas Ciências Sociais] foi uma proposta da diretoria para reavivar a discussão.”

A mesa-redonda à qual Rezende de Carvalho se refere teve também a participação do cientista político Renato Lessa, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), do antropólogo Gilberto Velho, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e da socióloga Maria Arminda do Nascimento Arruda, da Universidade de São Paulo.

Lessa questionou as formas de avaliação das ciências sociais na comunidade acadêmica, que, segundo ele, funcionam sob parâmetros matemáticos. “Criou-se, além do homo sapiens, uma espécie de homo lattes”, brincou o cientista político, referindo-se à comum qualificação de um pesquisador com base na quantidade de artigos que ele possui no seu currículo acadêmico.

Já Gilberto Velho mostrou a evolução das ciências sociais desde a ditadura militar e ressaltou a importância de instituições como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a própria Anpocs. Arruda reforçou o argumento de Velho e discutiu a relevância da integração das instituições de pesquisa em ciências sociais com a comunidade científica como um todo e a sociedade brasileira em geral.

Crescimento na área
Para Rezende de Carvalho, o motivo por trás da valorização da discussão sobre o lugar das ciências sociais é o papel destacado que a sociedade brasileira tem conferido às pesquisas nessa área. Isso se manifesta também na demanda por cursos de graduação e pós-graduação por parte dos jovens que ingressam na universidade, o que exige mais investimentos governamentais e políticas voltadas para o setor.

“É preciso, portanto, que se conheçam os números efetivos dessa expansão, as características desse crescimento, o perfil das novas gerações de cientistas sociais, o aporte do investimento destinado à área, enfim, uma avaliação completa do movimento atual das ciências sociais”, afirma a presidente.

Sinal dessa valorização das ciências sociais foi a assinatura, durante a abertura do evento, de um convênio entre a Anpocs e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), no valor de R$ 680 mil, para a criação de um portal das ciências sociais brasileiras. O objetivo da página virtual é ampliar a comunicação entre o meio acadêmico e a sociedade brasileira e favorecer, assim, a inscrição das ciências sociais no debate público.

Alguns dos destaques do encontro foram as discussões sobre questões políticas do mundo contemporâneo, que tiveram inclusive a participação de pesquisadores estrangeiros convidados. O antropólogo alemão Florian Mühlfried, do Instituto Max Planck, por exemplo, participou de mesa-redonda sobre as consequências da queda do muro de Berlim, e o sociólogo Hauke Brunkhorst, da Universidade de Flensburg, ministrou uma conferência sobre os fatores que ameaçam a democracia nos nossos dias.

Outros destaques em Caxambu foram as homenagens às antropólogas Manuela Carneiro da Cunha e Lygia Sigaud. Em entrevista à Ciência Hoje, Carneiro da Cunha falou sobre seu novo livro – Cultura com aspas – e discutiu os rumos e a importância das reservas indígenas no Brasil. “O conflito criado entre reservas indígenas e áreas militares é artificial”, afirma ela. E acrescenta: “A presença de índios contribui significativamente com a manutenção das fronteiras, e não o contrário.” A entrevista completa será publicada na edição de janeiro-fevereiro de 2010 da revista.

 

Isabela Fraga
Especial para a CH On-line
05/11/2009