Orgânicos na mira

“Não há muita diferença entre alimentos orgânicos e convencionais se você faz uma escolha baseada em sua saúde”, disse a médica Dena Bravata, da Universidade de Stanford (EUA), em comunicado de sua instituição. A afirmação da pesquisadora é uma das principais conclusões de um recente estudo conduzido por ela e colegas da universidade que ganhou as páginas de ciência de jornais e sites de todo o mundo.

O polêmico trabalho, publicado no Annals of Internal Medicine, é uma revisão de resultados de 237 pesquisas realizadas desde 1960 sobre o valor nutricional e os riscos à saúde de alimentos orgânicos e convencionais (cultivados com uso de agrotóxicos e pesticidas).

Por quatro anos, os pesquisadores de Stanford analisaram estaticamente esses dados em busca de indícios dos benefícios do consumo de orgânicos. Concluíram que em termos nutricionais não existe diferença relevante entre vegetais, carnes, ovos e leites orgânicos e convencionais – ou seja, orgânicos não têm mais substâncias que façam bem à saúde.

A conclusão pode parecer novidade para quem não estuda o assunto. Segundo enquete feita nos Estados Unidos em 2010 pelo Instituto Nielsen, 76% dos compradores de alimentos orgânicos acreditam que eles são mais saudáveis e 51% porque acham que são mais nutritivos. Mas, de acordo com a nutricionista Hilda Barros, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), a afirmação já era conhecida pela comunidade científica

Em termos nutricionais, ambos são iguais, pois as características nutritivas não têm a ver com o tipo de manejo, mas com as características do solo

“É o óbvio ululante para quem é da área”, diz. “Em termos nutricionais, ambos são iguais, pois as características nutritivas não têm a ver com o tipo de manejo, mas com as características do solo. O diferencial do orgânico é que ele, em teoria, não é contaminado com pesticidas.”

O estudo de Stanford não deixa de lado essa informação. De acordo com a revisão, os alimentos orgânicos de modo geral oferecem 30% menos risco de intoxicação por pesticidas que os convencionais.

No entanto, mesmo com esse dado, Bravata – sobrenome irônico dado o contexto – reafirmou em outro comunicado que “existe pouca diferença em relação aos benefícios à saúde entre orgânicos e alimentos convencionais”, pois “os níveis de pesticida encontrados estavam dentro do limite legal”. A pesquisadora se recusou a conceder entrevista à CH On-line.

Escolha segura

O biólogo Frederico Peres, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), rebate e aponta que a revisão feita pelos pesquisadores de Stanford, apesar de parecer bem feita, não levou em conta os efeitos da exposição prolongada a pesticidas e agrotóxicos. 

Dois anos é pouco tempo para se verificar o efeito de agrotóxicos em humanos

Dos estudos revisados pela equipe de Stanford, apenas 17 foram acompanhamentos clínicos de humanos e o mais longo de dois anos. “É pouco tempo para se verificar o efeito de agrotóxicos em humanos; estamos falando de uma exposição que é crônica, são pequenas quantidades de agrotóxicos que sozinhas podem não ser letais, mas acumuladas geram efeitos nocivos que só serão percebidos 10 ou 15 anos depois”, explica Peres.

A nutricionista Hilda Barros lembra ainda que, no caso do Brasil, nem sempre é possível confiar no devido cumprimento dos limites estipulados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“Os agricultores no Brasil não têm, em geral, boas práticas de uso dos agrotóxicos, usam produtos contrabandeados e em quantidades acima do permitido”, comenta. “Por isso, eu oriento as pessoas a escolher pelo orgânico sempre que possível.” 

Lavoura
Pesquisadores brasileiros recomendam os orgânicos pela ausência de herbicidas e pesticidas e menor impacto no meio ambiente. (foto: Diego Paganini/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)

Ainda que não sejam mais nutritivos, os alimentos orgânicos ainda são os mais indicados pelos pesquisadores ouvidos. “O importante dessa discussão é mostrar que se deve procurar os orgânicos sim, mas pelos motivos certos, por serem livres de agrotóxicos que podem fazer mal à saúde, por terem mais sabor e serem cultivados de modo mais sustentável.”

 

Leia a reportagem de capa da Ciência Hoje de setembro sobre os agrotóxicos no Brasil.


Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
Segundo a nutricionista Hilda Barros, não é possível confiar no devido cumprimento dos limites estipulados pela Anvisa, e não nos limites em si estipulados pela agência, como escrevemos anteriormente. Barros reforça que os limites determinados pela Anvisa são confiáveis. (25/09/2012)