Os bastidores de Copenhague

A foto acima ilustra um momento único na história das negociações diplomáticas por um acordo para a redução das emissões globais de gases do efeito estufa. Ela foi tirada no apagar das luzes da COP-15 (a 15ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas), realizada em dezembro de 2009 em Copenhague.

Nela é possível ver o presidente Lula, seus colegas dos Estados Unidos (Barack Obama) e da África do Sul (Jacob Zuma) e os primeiros-ministros da China (Wen Jiabao) e Índia (Manmohan Singh), entre outros.

Houve quem visse no encontro dos estadistas na COP-15 um sinal de mudança nos ventos diplomáticos

O que o momento teve de único foi justamente a participação direta dos chefes de Estado e de governo na articulação de um tratado para suceder o protocolo de Kyoto na tentativa de se reduzirem as emissões globais de gases do efeito estufa. Até então, essas discussões costumavam ser travadas por ministros ou negociadores especializados.

O Acordo de Copenhague [PDF], resultado final da COP-15, foi criticado por muitos pelas suas metas imprecisas e pouco ambiciosas e por não ser legalmente vinculante para seus signatários. Para muitos, a COP-15 foi um fracasso retumbante. Mas alguns viram na articulação política dos estadistas na última noite um sinal de mudança nos ventos diplomáticos.

Fracasso ou ponto de inflexão?

Copenhague - antes e depois

O cientista político e jornalista Sérgio Abranches é um deles. Para ele, a COP-15 foi um ponto de inflexão em que alguns países passaram enfim a admitir o desafio de encarar o problema da mudança climática. “Copenhague demarcou o momento em que todos os grandes emissores do mundo sinalizaram que vão cooperar para reduzir suas emissões de gases do efeito estufa”, avalia. Para ele, é exagerado falar em fracasso.

Abranches esteve em Copenhague e acompanhou de perto a COP-15. Durante o evento, suas análises renderam textos no seu blogue Ecopolítica e inserções diárias na Rádio CBN, da qual é comentarista. Agora, a experiência intensa de cobrir uma COP in loco acaba de dar origem ao livro Copenhague – antes e depois.

A obra discute o que estava em jogo naquela reunião, com uma contextualização minuciosa dos encontros que precederam a COP-15 e a apresentação dos fatos científicos por trás da mudança climática.

Abranches discute o papel essencial das mídias sociais na mobilização da opinião pública durante a COP-15

Nos capítulos dedicados à reunião de Copenhague propriamente dita, Abranches oferece um relato dos bastidores com a riqueza de detalhes de quem estava lá e com a profundidade de quem cobre o tema há anos.

Ele explica também o papel essencial que mídias sociais como o Twitter tiveram na cobertura e na mobilização da população durante a reunião.

Abranches analisa ainda o impacto do Acordo de Copenhague e discute o futuro da política climática global. Escrito em prosa fluida e dinâmica, o livro é um documento essencial para quem quiser compreender o que está em jogo na política climática global atual.

Sérgio Abranches fala sobre Copenhague antes e depois:

 

Estivemos recentemente com Sérgio Abranches em seu escritório no Rio de Janeiro. Conversamos com ele sobre o processo de escrita do livro, sobre a experiência de se cobrir uma COP e sobre o futuro do clima do planeta. Leia abaixo os principais trechos de nossa conversa.

Muitos se decepcionaram com os resultados da reunião de Copenhague. Podemos considerar que a COP-15 fracassou?

Quem pensa que Copenhague foi um fracasso tinha uma expectativa muito otimista que não era justificável, dada a quantidade de impasses das reuniões anteriores, ou achava que o acordo tinha que ser muito ousado, por razões ideológicas. Numa avaliação realista, Copenhague foi um marco do ponto de vista político. Em política, a mudança mais difícil de se fazer é sair de um estado de negação e passar a dizer sim. E havia sinais de que Copenhague seria o momento em que se sairia do não pro sim. Esse sinal vinha dos Estados Unidos, da China, do Brasil e da Índia, que eram os principais agentes de veto e formadores de impasse nas reuniões anteriores. A reunião cumpriu um papel importante, que foi demarcar o momento em que todos os grandes emissores do mundo estão convencidos de que a mudança climática é um tema importante para a política doméstica e que sim, vão cooperar para reduzir suas emissões de gases do efeito estufa. Daqui pra frente, é tudo uma questão de ajustar como, quanto, quando e quem.

E há tempo hábil para se fazer esses ajustes?

As discussões tendem a andar mais rapidamente agora que passamos da negação para a afirmação. A ciência nos diz que não há muito tempo a perder. A mudança climática já está ocorrendo, as emissões continuam crescendo e precisamos tomar medidas o mais rápido o possível. Realisticamente falando, ainda há espaço para um ajustamento entre o tempo da política e as necessidades da ciência. Eu não ficaria inquieto se um grande acordo só se tornasse efetivamente implementável a partir de 2015. Temos tecnologia e tempo o suficiente para fazer uma mitigação efetiva. Evidentemente, não vamos evitar a mudança climática, mas podemos mantê-la dentro de parâmetros suportáveis pelo planeta e pela maior parte das regiões. Mas é claro que os resultados vão se distribuir desigualmente no planeta e também dentro de cada país.

Sérgio Abranches
Sérgio Abranches em seu escritório no Rio de Janeiro (foto: Bernardo Esteves).

A COP de Copenhague foi a mais midiatizada de todas, com o uso intensivo de mídias sociais como blogues e Twitter. Tanta visibilidade ajudou ou atrapalhou as negociações?

Ajudou, porque manteve viva a mobilização. Os governos tinham uma resposta imediata, em tempo real, para cada rumor que circulava, tanto que vários deles passaram a soltar informações pelo Twitter. Gordon Brown, Nicolas Sarkozy e outros usaram essa ferramenta para pedir mais mobilização. E essa foi também a forma como ONGs e ambientalistas se comunicavam com as bases em seus países e mantiveram a mobilização doméstica ativa. E, no último momento, quando eles tiveram a entrada no Bella Center cerceada, foi através dessa mídia social que eles conseguiram se manter informados e acompanhar os últimos momentos do processo de negociação.

O que devemos esperar das próximas COPs, a serem realizadas em Cancún, no México (2010), e na África do Sul (2011)?

Não se deve esperar muito de Cancún, mas alguns dos erros cometidos em Copenhague não devem se repetir. O erro maior foi a quebra de confiança provocada pelo próprio anfitrião – o primeiro ministro dinamarquês – ao tentar negociar uma solução restrita para o acordo. Isso envenenou as relações e dificultou que se chegasse a um resultado minimamente satisfatório. Acho que esse erro não vai mais ser cometido. Acredito que o que em Cancún vão se fechar alguns acordos parciais, mas não teremos ainda um tratado. Cancún vai arredondar algumas questões que já estão mais consensuais, e deixar um acordo final provavelmente para a COP-17, na África do Sul.

Que impasses você enxerga para que façamos a transição para uma economia de baixo carbono?

O problema fundamental hoje é que em nenhum lugar do mundo se tem uma visão positiva do que seria uma economia de baixo carbono. Há uma noção de que ela é necessária, mas isso é visto mais como sacrifício do que como uma oportunidade de crescimento e de aumentar o bem-estar. Enquanto não se tiver a visão positiva de quais são os ganhos – para além dos benefícios climáticos e ambientais – de uma economia de baixo carbono, haverá resistências. Agora só aparece quem vai perder com essa transição – os setores mais intensivos em carbono das economias, quem usa e produz carvão, petróleo. É preciso que comecem a aparecer os ganhadores. Quais são as novas empresas e atividades econômicas que serão competitivas e produzirão empregos, lucros? Isso ainda falta ficar claro. E vai levar algum tempo. E falta também um mecanismo fundamental nesse processo, que é o preço de carbono. Enquanto não houver um preço de carbono que seja efetivamente penoso, alto o suficiente para desestimular as atividades de altas emissões, isso não vai andar muito rápido. E esse preço não pode ser dado pelo mercado. Ele vai ter que ser dado ou através de imposto ou de regulação. Teremos esse preço fixado até 2015, mas não acho que seja algo de curto prazo.

Que papel você enxerga para o Brasil no futuro nesse cenário de transição?

O Brasil comete um erro de avaliação primário ao imaginar que a transição para uma economia de baixo carbono seria um sacrifício ao processo de desenvolvimento. Na economia do século 21 de baixo carbono, há vários produtos e tecnologias com os quais poderíamos ser competitivos – é o caso das áreas de biotecnologia, biocombustíveis de segunda geração ou veículos elétricos, por exemplo. É fundamental que o Brasil supere paulatinamente sua mentalidade atrasada de desenvolvimento. Vai haver um momento em que descobriremos que o negócio é ser uma das primeiras economias emergentes de baixo carbono do mundo.

Copenhague – antes e depois
Sérgio Abranches
Rio de Janeiro, 2010, Civilização Brasileira
336 páginas – R$ 49,90
Tel: (21) 2585-2000

 

Bernardo Esteves

 

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