Pensou em gambás, pensou em… fedor. O mau cheiro emitido em situações de ameaça é talvez a peculiaridade mais marcante desses animais. Mas, entre especialistas, outra característica muito relevante dos gambás é andarem por aí solitários, razão pela qual ganharam fama de antissociais. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Fundação Oswaldo Cruz, no entanto, vai contra essa ideia: ele mostra que gambás podem viver em grupo.
Há oito anos, os especialistas acompanham marsupiais da família Didelphidae – que inclui mais de 100 espécies de gambás e cuícas – em uma pesquisa de campo realizada em Guapimirim, no Rio de Janeiro. Eles montaram 312 ninhos artificiais para atrair os animais em um ambiente próximo ao natural. “Diferentemente de estudos feitos com armadilhas que contêm comida, nosso único atrativo para os gambás era um lugar para ficar”, conta o biólogo Diego Astúa, pesquisador da UFPE e um dos autores do estudo publicado na revista Biology Letters.
A ideia era atrair as seis espécies de Didelphidae que habitam a região e avaliar se os animais dividiriam os ninhos artificiais. Então, a cada gambá que aparecia, os pesquisadores atribuíam números e aguardavam sua escolha de lugar para ficar. A observação mostrou que alguns irmãos da mesma ninhada deitavam juntos para descansar, além de fêmeas com filhotes já desmamados e até mesmo indivíduos de famílias diferentes.
No total, o compartilhamento de ninhos foi observado em dez ocasiões. Apesar do número pequeno, foi considerado muito relevante, pois os Didelphidae são conhecidos por não interagirem entre si. “Às vezes, mal se toleram: brigam por espaço, não se dão bem e até se machucam”, explica o biólogo. “Este estudo foi curioso porque mostrou interações espontâneas anteriores à estação reprodutiva, que não envolviam, portanto, proteção de filhotes”.
Surpresa na hora da faxina
Além da observação de campo no Rio de Janeiro, o estudo incluiu outra, realizada quase por acaso, no campus da UFPE, em Recife. Durante a limpeza de uma caixa de luz no quintal do laboratório, funcionários se depararam com gambás e notificaram os pesquisadores.
“Era um grupo grande, com 13 indivíduos, sendo três adultos e os demais, filhotes de duas idades diferentes – ou seja, de pelo menos duas ninhadas –, convivendo sem hostilidade. Ficamos bem animados, foi um relato único”, relembra Astúa. Segundo o pesquisador, é a primeira vez que se descreve na literatura um ninho com tantos indivíduos. Geralmente, constam dos relatos grupos menores ou apenas de mães com seus filhotes.
Agora, os cientistas trabalham para desvendar o porquê dessas interações. “Queremos saber se eles estariam cooperando por algum motivo, como trabalhar para construir um ninho”, formula Astúa. Os autores do artigo recomendam que estudos de campo com gambás sejam realizados, sempre que possível, com ninhos artificiais grandes, que permitam abrigar vários indivíduos. Desta forma, será possível avaliar se a convivência em grupo é comum ou se a observação feita por eles foi uma exceção.
Em todo caso, talvez já possamos atribuir um pouco de simpatia a esses animais com fama de fedidos e mal-encarados!
Valentina Leite
Instituto Ciência Hoje/ RJ