Os limites da vida

A existência de vida em épocas e locais hostis, como as eras glaciais, pode estar mais perto de ser compreendida. Uma equipe anglo-americana encontrou bactérias em uma reserva de água salgada debaixo de uma enorme geleira na Antártica. Os micróbios sobrevivem ali há cerca de 1,5 milhão de anos, sob temperaturas extremamente baixas e em um ambiente sem luz e oxigênio.

O líquido do lago salgado que fica 400 metros abaixo da geleira de Taylor brota de forma intermitente no topo da montanha de gelo e deixa por onde passa um rastro de cor avermelhada, que se deve à presença de ferro, elemento usado na respiração das bactérias ali encontradas (foto: Benjamin Urmston).

O lago salgado fica sob a geleira de Taylor, uma montanha de 400 metros de gelo localizada nos Vales Secos da Antártica, um dos lugares mais inóspitos do planeta. Devido a uma média de precipitação extremamente baixa, não há animais ou plantas na região.

A partir da análise de uma amostra do líquido que compõe esse reservatório subglacial, os pesquisadores descobriram 17 espécies de bactérias. “É provável que existam bem mais”, afirma à CH On-line a bióloga Jill Mikucki, pesquisadora da Universidade Dartmouth (EUA) e autora principal do artigo que descreve a descoberta, publicado na Science desta semana.

A amostra do lago salgado subglacial foi recolhida pela equipe de Mikucki no topo da geleira de Taylor, onde o líquido, de cor avermelhada, brota de forma intermitente. Contrariando as suposições anteriores de que essa coloração era resultado da presença de algas vermelhas, as análises do grupo constataram que a cor acobreada se deve à existência de óxido de ferro na água.

Bactérias adaptadas
Mas como seria possível existir vida em um ambiente tão hostil, sem oxigênio e luz? A pesquisa revela que as bactérias respiram por meio do metabolismo de ferro, enxofre e carbono. Não por acaso, foram encontradas na amostra do líquido do reservatório grandes quantidades de ferro e de sulfato (íon formado por átomos de enxofre e oxigênio).

“Embora haja outros seres que utilizam o ferro e o sulfato na respiração, o modo como essas bactérias usam tais elementos é único”, comenta Mikucki, que era pesquisadora da Universidade Harvard (EUA) quando desenvolveu o estudo.

Segundo os cientistas, as bactérias do lago salgado se mostraram similares àquelas presentes nos oceanos modernos. A origem mais provável da água salgada sob a geleira de Taylor seriam os mares do Plioceno, período compreendido entre 5 milhões e 1 milhão de anos atrás. “O longo período de isolamento desses micróbios fez com que algumas espécies conseguissem se adaptar à falta de luz e de oxigênio, passando a respirar de forma anaeróbica”, explica a bióloga.

Os resultados do grupo podem ajudar no estudo de seres vivos que eventualmente sejam encontrados em Marte, já que a superfície dos Vales Secos da Antártica é comparável à do planeta vermelho.

“A descoberta de bactérias em ambientes de frio extremo, escuridão e ausência oxigênio pode nos ajudar a pesquisar a possibilidade de vida sob condições tão hostis, como nas eras glaciais e em Marte”, confirma Mikucki. “Ela também nos faz pensar que talvez essas condições não sejam, na verdade, tão hostis assim.” 

Isabela Fraga
Ciência Hoje On-line
16/04/2009