Palavras cheirosas

 

 A linguagem escrita pode afetar o processamento dos cheiros no cérebro. A influência de informações cognitivas sobre o olfato foi revelada em experimentos realizados por pesquisadores da Universidade de Oxford e publicados na revista Neuron de 19 de maio. Os resultados mostraram que um mesmo odor é percebido de maneira diferente quando acompanhado de palavras associadas a aromas prazerosos ou desagradáveis.

A experiência consistiu em submeter 20 indivíduos a um odor-teste, composto por uma substância de cheiro forte, semelhante a odores corporais (ácido isovalérico), à qual os pesquisadores adicionaram o aroma de queijo cheddar. Simultaneamente, os participantes liam em uma tela as mensagens “queijo cheddar” ou “odor corporal”. Enquanto isso, a atividade de seus cérebros era monitorada por ressonância magnética funcional.
 
Em seguida, os sujeitos deveriam apontar quão agradável era aquele cheiro – sem saber que se tratava sempre da mesma substância. As respostas foram comparadas, então, às imagens de ativação cerebral da tomografia por ressonância magnética.
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A ressonância magnética produz imagens a partir do fluxo de sangue nas diferentes regiões do cérebro. As áreas com aumento de fluxo sangüíneo aparecem coloridas e indicam uma maior atividade cerebral em resposta ao odor rotulado com uma palvara que remete a um cheiro bom. 

Curiosamente, o odor-teste com o rótulo “queijo cheddar” foi considerado significativamente mais agradável do que quando rotulado como “odor corporal”. Esse julgamento foi confirmado pela ressonância magnética: a atividade cerebral no córtex orbitofrontal e na amígdala foi muito mais expressiva quando o odor vinha acompanhado do rótulo “queijo cheddar”.

 
Trabalhos anteriores já tinham revelado que os odores são decodificados principalmente no córtex orbitofrontal médio e na amígdala (em ambos os hemisférios), que em geral respondem com mais intensidade a estímulos com maior valor de recompensa, ou seja, mais prazerosos.
 
Para separar a manipulação cognitiva do processamento olfativo, os pesquisadores intercalaram a apresentação do odor-teste com amostras de ar puro, que também receberam os rótulos de “queijo cheddar” e “odor corporal”. O ar puro rotulado como “queijo cheddar” foi considerado mais agradável e ativou a mesma área do cérebro que o odor-teste com as mesmas palavras, mas em uma extensão menor.
 
Já que a noção de “cheiro bom” varia de pessoa para pessoa, as mesmas experiências foram feitas com essências de flores e de plástico queimado, rotuladas corretamente, a fim de estabelecer padrões individuais de referência para substâncias agradáveis e desagradáveis.
 

O uso de rótulos verbais nesses experimentos foi essencial para provar como conhecimentos adquiridos e presentes em nossa memória influenciam percepções sensoriais. “Mostramos que as ativações olfativas podem ser manipuladas por fatores cognitivos, ainda que o estímulo seja o mesmo e que seu valor de recompensa intrínseco não tenha mudado”, diz Ivan Araújo, pesquisador brasileiro que fez parte da equipe liderada por Edmund Rolls. Futuramente, a equipe pretende realizar experimentos semelhantes com o sentido da gustação, manipulando estados de fome e saciedade.


Lia Brum
Ciência Hoje On-line
31/05/05