Paleontologia ganha livro pioneiro em português

Embora a paleontologia de vertebrados seja uma ciência fundamental para o estudo da evolução, existe uma carência muito grande de livros sobre o tema no Brasil, sobretudo de produção nacional. A escassez levou um grupo de pesquisadores a reunir artigos publicados nessa área em um único volume.

Paleontologia de vertebrados – grandes temas e contribuições científicas agrupa ensaios sobre assuntos que vão desde a identificação e caracterização de espécies até a controvérsia sobre possíveis extinções em massa no Pleistoceno (época situada entre 1,8 milhão de anos e 11,5 mil anos atrás), passando pela importância de novas ferramentas no estudo dos fósseis. Quase todos os artigos são escritos por pesquisadores brasileiros e apresentam um panorama das pesquisas feitas no país nessa área.

O livro será lançado na sexta-feira, 5 de maio, às 10h, na Capela Ecumênica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Em entrevista à CH On-line , a professora da Uerj Valéria Gallo, uma das organizadoras da obra, fala sobre a importância dessa divulgação para os alunos interessados no assunto, os pesquisadores e o público em geral.

Há uma grande carência de material didático sobre a paleontologia de vertebrados no Brasil. Em que medida o livro vai suprir essa lacuna?
Na origem, esse livro era o compêndio de um simpósio realizado na Uerj em 2003. Nesse evento foram apresentados trabalhos que geraram dez artigos. Porém, achamos que era muito pouco para produzir um livro e vimos, nesse momento, a chance de juntar outros capítulos que correspondiam a demandas dos estudantes. Sou professora de paleontologia de vertebrados e observo uma demanda muito grande dos alunos, seja de graduação ou de pós-graduação, por material desse tipo. Eles me cobravam se não haveria livros acessíveis e em português que pudessem comprar. Até este lançamento, não existia nenhum livro específico sobre a paleontologia de vertebrados em nossa língua. Há atualmente um bom livro sobre paleontologia geral, além de publicações estrangeiras não traduzidas.

O livro dá grande destaque a artigos sobre paleoictiologia (estudo dos peixes fósseis). Qual o motivo dessa ênfase?
Mesmo os livros de paleontologia de vertebrados em inglês têm uma deficiência em relação à paleoictiologia e essa área é o forte da Uerj. Os quatro primeiros capítulos abordam esse assunto exatamente porque percebemos essa lacuna. Os professores sempre precisam complementar suas aulas sobre peixes devido à escassez de material de leitura. Acabamos sugerindo a leitura de artigos na internet, porém são textos isolados que não formam um conhecimento fechado, com unidade.

Valéria Gallo, professora da Uerj e editora do livro Paleontologia de vertebrados – grandes temas e contribuições científicas

Que outras lacunas no ensino da paleontologia o livro vem preencher?
Resolvemos abordar também aspectos controversos, como extinções – convidamos pesquisadores especialmente para escrever esses capítulos. O livro acabou adquirindo uma abrangência que, na minha opinião, vai contemplar grande parte dessa escassez de material de estudo. Há ainda um artigo muito interessante sobre tomografia computadorizada. A maioria das pessoas não sabe que essa técnica é fundamental para a paleontologia. Existem fósseis raríssimos ou muito frágeis, que não podem sequer ser tocados. Essa ferramenta nos permite observar o objeto sem manuseá-lo e, dessa forma, temos uma idéia de como era o animal. Essa estratégia para conservar os fósseis é moderníssima no Brasil. Mostrar ferramentas como essa é uma forma de atrair os alunos e apresentar a paleontologia como uma ciência dinâmica.

Como você avalia o ensino de paleontologia no país?
Em algumas universidades, o ensino da paleontologia ainda é atrelado ao da geologia, em uma abordagem clássica. Estamos tentando dar uma abordagem mais moderna nas aulas. Os próprios alunos têm uma idéia estática dessa ciência. Por vezes, pensam que paleontologia é apenas estudar ‘restos’ conservados em uma rocha – não é só isso. Estudamos os organismos recentes para entender os fósseis, é preciso estudar o ambiente atual para entender como ele foi no passado.

O livro também tem a intenção de divulgar a importância da paleontologia para o público em geral?
A paleontologia é o maior argumento a favor da evolução porque traz evidências de que há transformação ao longo do tempo e, com isso, contrapõe-se ao criacionismo. Os fósseis dão a idade mínima de um determinado grupo de espécies e o pesquisador pode acompanhar a trajetória evolutiva em função das mudanças morfológicas neles preservadas, por isso a paleontologia é tão importante. Queremos mostrar a importância e amplitude dessa ciência. A idéia do livro, além de suprir essa carência no ensino, também é divulgar o que é paleontologia para a mídia – mostrar que é uma ciência simples, na qual há gente trabalhando no mundo inteiro.

Como você avalia o andamento das pesquisas nessa área no Brasil?
A paleontologia brasileira já passou por momentos mais difíceis. É claro que, se tivéssemos mais recursos, seria muito melhor. Poderíamos ir a campo com mais freqüência e coletar mais material. O principal problema é a falta de coleta: se a gente tivesse mais verba para campo e mais espaço para guardar material – mais museus, por exemplo – avançaríamos muito na pesquisa. Isso porque há recursos humanos gabaritados e os laboratórios estão relativamente bem equipados. 

 

Paleontologia de vertebrados – grandes
temas e contribuições científicas
Valéria Gallo, Paulo M. Brito, Hilda Maria A. Silva,
Francisco J. Figueiredo (editores)
Rio de Janeiro, 2006, Editora Interciência
Tel: (21) 2581-9378
330 páginas – R$ 80,00

Franciane Lovati
Ciência Hoje On-line
03/05/2006