Para acabar com o mito da ‘Idade das Trevas’

Se você considera os dez séculos da Idade Média um período de estagnação do conhecimento, a leitura do primeiro volume da coleção Breve história da ciência moderna deve lhe surpreender. O livro aponta justamente os avanços das ciências nesse momento histórico e mostra como eles foram cruciais para a revolução científica dos séculos seguintes.

Para entender como os alicerces da ciência moderna se fincaram na Idade Média, no entanto, é preciso voltar alguns séculos no tempo e entender a filosofia natural estabelecida na Grécia antiga por pensadores como Platão e Aristóteles. Por isso, o livro dedica um capítulo ao pensamento grego e mostra como ele inaugura a reflexão sobre temas que seriam o objeto da ciência moderna.

O saber grego chegou à Europa medieval trazido pelos árabes, que constituíram nos séculos 7 e 8 um império que abrangia o norte da África, a Península Ibérica e toda a região do Oriente Médio até a fronteira com China e Índia. Esse império foi o palco de uma intensa efervescência intelectual: estavam localizadas ali a cidade de Alexandria, centro de conhecimento do Egito antigo, a Síria e a Pérsia, que tinham centros de investigação importantes em campos como astronomia ou medicina, e a capital Bagdá, um grande pólo cultural.

O livro mostra como os árabes foram muito mais que simples mediadores do conhecimento helênico, como se apontou durante muito tempo. Além de comentar e expandir os textos que traduziram, eles contribuíram com estudos originais em campos como álgebra ou astronomia, além de terem levado à Europa inovações técnicas na engenharia e novos campos do conhecimento, como a alquimia.

A obra ajuda a desmontar ainda o mito da ‘Idade das Trevas’ ao mostrar que esse período conheceu avanços técnicos consideráveis em campos como a produção de relógios, a engenharia das catedrais ou a compreensão do movimento. “Esse longo período da história produziu uma grande diversidade de visões de natureza que se confrontaram em múltiplas discussões e embates”, afirma o livro.

Os autores — Marco Braga, Andreia Guerra e José Claudio Reis — são todos físicos com formação em história e filosofia da ciência e membros do Grupo Teknê, projeto educacional que tem entre seus objetivos a reflexão sobre o fazer científico e a divulgação desse conhecimento.

Convergência de saberes é apenas o primeiro volume de uma coleção que pretende, em cinco livros, abordar a evolução da ciência até os dias de hoje. Os próximos volumes estão em fase de preparação pelos autores: o segundo deve contemplar a consolidação da ciência moderna (séculos 15 a 17), e os demais vão tratar respectivamente dos séculos 18, 19 e 20.

O primeiro livro foi escrito em linguagem ágil e instigante. Conciso e ilustrado, ele deve agradar ao público leigo jovem interessado por história da ciência. E quem quiser ir além das cerca de cem páginas do livro leva, de brinde, uma bibliografia comentada para maior aprofundamento e dicas de livros de ficção, filmes e quadros que dialogam com os temas apresentados.

 

Breve história da ciência moderna
Volume 1: Convergência de saberes (Idade Média)

Marco Braga, Andreia Guerra e José Claudio Reis
Rio de Janeiro, 2003, Jorge Zahar Editor
101 páginas – R$ 16

Bernardo Esteves
Ciência Hoje on-line
24/09/03