A energia que abastece o mundo pode vir quase inteiramente de fontes renováveis nos próximos 40 anos, revela novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado na última segunda-feira (9/5), em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos.
Segundo o estudo, que parte da premissa de que as fontes de energia sujas como o carvão e o petróleo são importantes vetores de intensificação das alterações no clima, não há limites para o potencial das energias limpas em suprir a demanda global, tanto em termos de tecnologia, quanto de custos.
Com apenas 2,5% de aproveitamento das fontes renováveis à disposição no mundo hoje, seria possível suprir 77% da necessidade energética global até 2050. O potencial dessas fontes supera em 20 vezes a demanda mundial atual e a prevista para os próximos 40 anos.
“O relatório do IPCC traz evidências científicas indiscutíveis de que as energias renováveis podem atender aos apelos das economias em desenvolvimento; e podem fazer isso mais rápido e a um preço mais competitivo”, afirma Sven Teske, coautor do estudo e diretor de Energias Renováveis do Greenpeace Internacional.
“O que precisamos é que os governos implementem leis de energia renovável no mundo”, afirma Teske.
Protagonistas periféricos
Aprovado por 194 países signatários da Convenção de Clima, o Relatório Especial sobre Fontes de Energia Renovável e Mitigação Climática é um compilado de análises da literatura científica disponível hoje sobre seis fontes renováveis de energia: solar, eólica, geotérmica, hidrelétrica, dos oceanos e bioenergia (produzida a partir de rejeitos, resíduos animais ou matéria orgânica).
Juntas, elas responderam por 12,9% do suprimento energético global em 2008, com a bioenergia sendo responsável por 10,2% dessa fatia – a maior parte, no entanto, resultante da queima de lenha para uso doméstico. A hidroeletricidade veio em segundo lugar, respondendo por 2,3% do valor total.
Em termos de nova capacidade instalada na matriz energética, dos 300 gigawatts (GW) adicionais entre 2008 e 2009, 140 GW foram produzidos a partir de fontes renováveis. Nesse mesmo período, a geração de energia solar cresceu 50% e a eólica, 30%.
Os países em desenvolvimento, em especial a China, lideraram essa corrida. No Brasil, a energia dos ventos foi a fonte renovável que teve maior aumento. Entre 2009 e 2010, 140 novas usinas foram contratadas em leilões de energia e, desde então, o preço do megawatt vem caindo – R$145/MWh em 2009 e R$130 em 2010 – tornando essa fonte a segunda mais barata do país.
Para o especialista em economia ambiental Marcos Freitas, coautor do relatório no capítulo sobre energia hidrelétrica, o crescimento da energia dos ventos no Brasil é positivo, não só pelo alto potencial do país, mas também pela menor pressão sobre ocupação do solo, um problema no caso dos biocombustíveis.
“O Brasil não tem uma produção expressiva de oleaginosas capaz de suprir a demanda por biodiesel e acaba ocupando áreas agriculturáveis”, avalia Freitas, professor do Programa de Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ).
“Por outro lado, o país precisa aproveitar de forma mais estruturada o seu potencial hidráulico, com regulamentação que garanta a contrapartida do uso de recursos em terras indígenas, por exemplo.”
As políticas públicas específicas de cada país condicionarão, em parte, o crescimento do setor. Ainda assim, de acordo com o relatório do IPCC, o interesse do mercado e o aumento da demanda serão capazes de impulsionar as energias renováveis a despeito da interferência governamental.
Pelas previsões, as tecnologias se tornarão competitivas economicamente para a maior parte dos países já no próximo ano.
Falta integração
Também entraram nas projeções do IPCC dados relativos à emissão de gases do efeito estufa. Em um cenário de crescimento a partir da mesma matriz energética utilizada hoje, ainda altamente dependente de carvão e óleo, o total de emissões seria da ordem de 1.530 bilhões de toneladas de gás carbônico para os próximos 40 anos.
Segundo o estudo, esse valor seria reduzido em 200 a 560 bilhões de toneladas com a substituição por fontes renováveis. A participação das fontes limpas é mais significativa do que as projeções de mitigação por meio do uso de energia nuclear, que virou assunto delicado após o recente acidente em Fukushima (Japão), ou pela estocagem e armazenamento de carbono, processo ainda muito caro discutido no âmbito das negociações internacionais do clima.
“Falta hoje uma maior integração do mundo em favor das energias renováveis”, afirma Freitas. “O lançamento do relatório tem função de trazer à luz o exemplo de países outrora altamente dependentes dos combustíveis fósseis, como Alemanha e Dinamarca, que hoje investem pesado em novas opções, o que favorece a criação de políticas mais específicas para o setor”, conclui.
Para compor o relatório, 120 pesquisadores do IPCC analisaram 160 cenários locais de desenvolvimento das fontes de energia renováveis nos próximos 40 anos e quatro cenários globais – elaborados pelo Conselho Europeu de Energia Renovável, Greenpeace Internacional, Agência Internacional de Energia e Agência Espacial Alemã.
Juliana Tinoco
Especial para a CH On-line/ RJ