Para onde vou?

Identificado em 1914 e classificado como neurotransmissor em 1936, a acetilcolina agora tem sua função esclarecida, graças a um trabalho liderado por pesquisadores brasileiros. Segundo eles, a substância está ligada à regulação de aspectos específicos da memória: a orientação espacial e a chamada potenciação de longa duração.

A diminuição desse composto no cérebro seria a causa de situações como a de pessoas que sempre vão à mesma farmácia, por exemplo, mas não memorizam o caminho. A conclusão do estudo foi publicada recentemente no periódico norte-americano PNAS.

De acordo com o neurocientista Iván Izquierdo, um dos autores da pesquisa, há muito tempo se sabe que há diminuição significativa nos níveis de acetilcolina em caso de mal de Alzheimer (quadro degenerativo que se caracteriza pela perda da memória).

“Mas ainda não estava claro o que a ausência do neurotransmissor provocava”, diz o pesquisador do Centro de Memória da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Para determinar a função específica da acetilcolina, o grupo utilizou camundongos geneticamente modificados, nos quais foi eliminado o sistema de transporte da substância para o hipocampo (estrutura localizada nos lobos temporais do cérebro e considerada a principal sede da memória).

Os animais foram introduzidos em dois tipos de labirintos comumente utilizados em experimentos sobre memória: o labirinto Barnes e o labirinto aquático Morris.

Labirinto de Barnes
Labirinto de Barnes, estrutura usada pelos pesquisadores para avaliar o desempenho dos camundongos geneticamente modificados. Parâmetros como distância percorrida e velocidade ajudam a verificar diferenças de ansiedade e habilidade cognitiva em diferentes variedades de cobaias. (foto: Wikimedia Commons/ Bd008)

Nos testes, apresentaram hiperatividade e déficit na aquisição de memória espacial e na potenciação de longa duração – mecanismo base da aprendizagem, que consiste na melhoria da transmissão de sinal entre dois neurônios. A evocação de memórias, no entanto, foi considerada normal.

Ao todo, o estudo levou cinco anos para ser concluído e contou com a participação de 12 pesquisadores de diferentes instituições de pesquisa. Entre os coautores está o casal de bioquímicos brasileiros Marco e Vânia Prado, da Universidade de Western Ontario, no Canadá.

Medicamentos

“Concluímos que há relação entre a diminuição da acetilcolina no hipocampo e alguns sintomas do mal de Alzheimer”, diz Izquierdo. “Mas, naturalmente, há outros aspectos da doença que não estão relacionados com a substância.”

“Concluímos que há relação entre a diminuição da acetilcolina no hipocampo e alguns sintomas do mal de Alzheimer”

Ele lembra ainda que a perda da capacidade de memorização espacial pode ocorrer mesmo que o indivíduo não seja portador do quadro degenerativo, geralmente em razão da idade avançada, quando os níveis de acetilcolina caem progressivamente.

Segundo o neurocientista da PUC-RS, a descoberta permite que futuramente sejam produzidos medicamentos que combatam esse processo ao atuar diretamente na regulação da acetilcolina. “A continuidade dos estudos com esse objetivo dependerá do interesse da indústria farmacêutica.”

Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR