Para prever o futuro

Para compreender o que acontecerá com a costa brasileira se – ou quando – as previsões de aquecimento das águas e aumento da poluição se concretizarem, não é preciso usar uma bola de cristal. No sul da Bahia, um sistema experimental denominado mesocosmo marinho tem possibilitado a simulação de condições ambientais diversas para avaliar como a vida marinha se transformará a partir de mudanças relacionadas principalmente ao aquecimento global. Caso a temperatura dos oceanos aumente apenas dois graus Celsius, as consequências serão catastróficas para os recifes de corais.

Um dos principais objetivos do mesocosmo é servir como plataforma de testes das previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que reúne cientistas do mundo todo com contribuições em pesquisas sobre mudanças climáticas. “O sistema mesocosmo marinho foi concebido para ficar a céu aberto utilizando diversas variáveis para conseguirmos simular as previsões do IPCC para as próximas décadas. Dessa forma, houve um avanço nas pesquisas científicas realizadas sobre impactos futuros nos recifes de coral do Brasil, com espécies que somente ocorrem aqui, por exemplo”, afirma o biólogo marinho Gustavo Duarte, coordenador de políticas públicas do Projeto Coral Vivo, responsável pelo estudo. 

As bactérias fixadoras de nitrogênio tiveram sua população aumentada em 27 vezes, demonstrando um claro desequilíbrio

Em um dos estudos conduzidos no mesocosmo, cientistas investigaram a relação simbiótica entre algas marinhas e alguns tipos de micro-organismos. Sob ação de uma temperatura 1°C mais elevada que o natural no oceano, não houve alterações significativas. Já com uma temperatura 2°C mais elevada, os impactos se mostraram maiores. As bactérias fixadoras de nitrogênio tiveram sua população aumentada em 27 vezes, demonstrando um claro desequilíbrio. “Também foram feitas simulações do impacto da temperatura em três cenários de aquecimento global na fotossíntese de corais, que apresentaram o mesmo limiar térmico, 2˚C, desencadeando a síndrome do branqueamento”, acrescenta o biólogo.

Baseado nos estudos até o momento, Duarte faz um alerta: “Nossos resultados são preocupantes, pois o Acordo de Copenhague prevê um limite de aumento de 2˚C na temperatura do planeta, e muitos países estão tentando aumentar este limite”, lembra. “Nossas simulações reforçam a tese de que mesmo este limite de aumento da temperatura poderá ser catastrófico para os oceanos, principalmente para os recifes de coral”, avisa o biólogo.

Localização do experimento
Imagem de satélite mostra o mesocosmo marinho em terra e o local de onde a água é captada a 500 metros da costa. (foto: Projeto Coral Vivo)

O mesocosmo marinho está montado em Arraial d’Ajuda, na Bahia, desde 2012, e conta com dois módulos experimentais adaptáveis para uma grande variedade de testes. Ao todo, são quatro cisternas, com capacidade de 5 mil litros, que recebem água diretamente de um ponto no mar a 500 metros da costa. Os experimentos ocorrem em 16 tanques de 130 litros cada e em 48 aquários de dez litros cada, paralelamente. Esses dispositivos são separados em grupos de quatro e recebem as alterações definidas pelos pesquisadores, sendo que um tanque ou aquário do grupo sempre mantém as condições naturais como controle experimental – para depois ser comparado com as demais réplicas que têm as condições da água do mar manipuladas. 

“Fazer pesquisa com impactos de temperatura, acidificação e contaminantes químicos, dentre outros estressores diretamente no ambiente natural, é arriscado e caro”, pondera Duarte. “Empregando o mesocosmo marinho, podemos reproduzir o ambiente natural e as variáveis que pretendemos testar do modo mais fiel possível, reduzindo custos e esforços em trabalhos de campo sem grande perda de qualidade dos resultados”, garante. 

 
Mesocosmo marinho
Complexo de tanques do mesocosmo marinho. (foto: Matheus Deocleciano)

Para a execução dos experimentos relacionados ao aumento da temperatura marinha, o mesocosmo conta com um sistema de aquecimento de alta capacidade especialmente desenvolvido para a iniciativa. O complexo conta ainda com reatores de dissolução de CO2 para testar as consequências da acidificação das águas. “Depois de bombeada do recife de coral, a água é dividida entre as quatro cisternas e não se misturará novamente. Nas cisternas, são instalados os equipamentos necessários a simulações de condições experimentais”, explica Duarte. A iniciativa teve seu funcionamento descrito na edição de outubro da revista Ecology and Evolution.  

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Everton Lopes
Instituto Ciência Hoje/ RJ